Tipos de Gentileza deixa Yorgos Lanthimos e Emma Stone num meio termo desconfortável
Novo filme do diretor de Pobres Criaturas tem intrigantes atuações, concepção e premissas, mas juntos eles não geram nada demais
Crítica
Seis meses depois de conquistar o mundo, a bilheteria e alguns Oscars com Pobres Criaturas, a dupla Yorgos Lanthimos e Emma Stone está de volta com mais uma colaboração que parece feita quase com o intuito oposto da última. Menos fantasioso e, pelo menos na superfície, menos pretensioso, Tipos de Gentileza retorna o cineasta grego para os subúrbios e para a classe média-alta onde ele mais aplicava seu humor desconfortável até recentemente. É um filme com um grande elenco, grande duração e um grande conceito — uma antologia com três histórias sobre pessoas em circunstâncias e realidades estranhas. Estranho mesmo, contudo, é quão pouco ele faz com tudo isso.
Por um lado, Tipos de Gentileza tem menos a dizer sobre os grandes debates de nossa sociedade, e circula alguns dos piores impulsos de Lanthimos, um diretor que adora receber tapinhas nas costas, especialmente de sua própria mão, pelo quão acertados, ousados e necessários seus discursos são. Aqui, não há um monólogo revolucionário sobre feminismo ou uma tentativa de criticar a busca por conformidade do mundo moderno. A elite é denunciada como um mundo de pessoas inseguras e patéticas, mas só um pouco. Sistemas de controle são examinados e levemente cutucados. Tipos de Gentileza é a volta de Lanthimos à tensão relacional onde ele melhor opera.
Por outro, Lanthimos parece ter chegado num ponto de sua carreira onde, cercado de grandes colaboradores como Stone, Willem Dafoe, Margaret Qualley (ambos retornando de Pobres Criaturas), Jesse Plemons e Hong Chau, ele não vê muita necessidade de se desafiar. Tipos de Gentileza está longe de ser um filme ruim. Sua direção é eficaz, a fotografia (novamente a cargo de Robbie Ryan) transforma a ambientação curiosamente pequena do longa numa coleção de vastos interiores, e atores como Stone e Qualley se mostram dispostas e excelentes venha o que vier, enquanto Plemons e Dafoe fazem um trabalho competente com o tipo de personagens pelos quais ficaram conhecidos.
Só que, para um filme com quase três horas de duração, organizado como uma antologia que se propõe ao choque, ao riso inseguro e ao incômodo, inclusive sexual e corporal, é notável como Tipos de Gentileza se aventura pouco. Claro, há momentos atrevidos, e alguns engraçados, e algumas imagens vão deixar você com vontade, mas incapaz, de fechar os olhos. Mas é apenas isso. Momentos. Não há nenhuma energia construída para levar o tom e o ritmo ao ponto da ansiedade, do cômico ou do perverso, e essa resistência não vem de uma surpreendente e agradável decisão de Lanthimos de desconstruir seu estilo ou quebrar com nossas expectativas. A estrutura de Tipos de Gentileza, particularmente a decisão pela antologia, revelam que se sua pretensão não está presente em técnica ou tema, ela segue existindo em formato.
Este é, novamente, populado por três contos. Stone e Plemons protagonizam pelo menos dois, e são no mínimo coadjuvantes importantes em todos. O primeiro, e de longe o mais bem executado do trio, revela Plemons como um personagem que, literalmente, deixa seu chefe (Dafoe) decidir o curso inteiro de sua vida, o que lhe deu riqueza e tranquilidade, pelo menos até receber uma diretiva grave demais para cumprir. Apresentado com a pulsação de “Sweet Dreams” por cima dos créditos de abertura, Tipos de Gentileza se introduz com tanta energia que é difícil não se empolgar, e isso transborda para essa história inicial. Com um roteiro que se comporta como uma caixinha de mistérios e um vai-e-vem genuinamente hilário entre Plemons e Dafoe, atuando em variações familiares dos tipos de papéis favoritos dos dois — desconfortável em sua própria pele e comicamente maldoso, respectivamente.
Mas esse primeiro capítulo, batizado de “A morte de B.M.F.”, vai aos poucos esgotando a energia com a qual o filme explode em tela, e o que sobra disso é totalmente aniquilado pelo segundo episódio, o pior de todos. “B.M.F. está voando” — essa sigla se refere a um personagem terciário presente de maneira inusitada nas três histórias — traz Plemons de volta como um policial cuja esposa (Stone) está há meses desaparecida depois de um acidente de barco, mas retorna em circunstâncias misteriosas. À exceção de uma piada sobre a relação deste casal com outro, formado por Mamoudou Athie e Margaret Qualley, a trama se desdobra sem sair da primeira marcha, seja em ritmo ou em intensidade.
As coisas melhoram um pouco na conclusão — “B.M.F. come um sanduíche” — onde Stone e Plemons retornam como membros de uma seita obcecada com a pureza da água, particularmente no corpo e na sexualidade, em busca de uma mulher profetizada como a messias dessa tal fé. Stone, em particular, recebe a chance de brincar, dançar e enlouquecer como só ela sabe e só a audiência da maravilhosa minissérie The Curse havia visto até então. Ela sustenta e eleva cada minuto do que, mais uma vez, é um queijo-quente sendo tratado por Lanthimos como um hambúrguer de primeira.
Conectando tudo estão alguns paralelismos — o mais curioso vem no tratamento de comidas, em particular o peixe — e as mais finas linhas temáticas possíveis. Em todos os três, há alguma força externa alterando a vida dos protagonistas, e uma reviravolta final recontextualiza a situação para dizer que, talvez, aquelas pessoas tenham razão para serem tão ansiosas. Talvez elas se submetam aos que passam por uma razão. Talvez elas mereçam nossa gentileza, não nosso nojo. É uma ideia interessante com a qual Lanthimos não faz nada demais. Eis aí o que o começo, meio e fim de Tipos de Gentileza têm em comum. Há elementos intrigantes nas atuações, na concepção e nas premissas, e juntos eles não geram nada demais.