Top Gun: Maverick - Crítica do Chippu
Continuação do filme com Tom Cruise é ode ao cinema
Crítica
CANNES: A abertura de Top Gun: Maverick nos leva de volta à zona de perigo onde o Capitão Pete "Maverick" Mitchell (Tom Cruise) mora. Mitchell, o único homem vivo a ter abatido três caças inimigos em combate, agora testa aviões furtivos de ponta para a marinha americana no meio do deserto californiano, se recusando a aceitar promoções para não trocar o cockpit pelo escritório. Quando um almirante (Ed Harris) chega na base tentando desligar o programa antes que Mitchell prove a eficiência do protótipo para garantir mais investimento não em jatos com pilotos e sim em drones, Mitchell decide desobedecer e decolar.
"Você sabe o que vai acontecer com você se fizer isso?" um de seus colegas pergunta. "Eu sei o que acontece com todo mundo se eu não fizer," responde Mitchell, olhando para toda sua equipe.
É fácil traçar paralelos. Pilotos como cinema. Drones como streaming. A equipe de Mitchell como a indústria à qual Cruise jurou lealdade. Em dezembro de 2020, um áudio do set do novo Missão: Impossível vazou mostrando o astro ameaçando demitir dois empregados por violarem as normas de distanciamento social no auge do COVID. Apenas quatro meses antes, ele divulgou um vídeo indo assistir a TENET, de Christopher Nolan, no IMAX de máscara. Agora, num Festival de Cannes com ar de "volta aos cinemas'', o homem cujo ego um dia descontava cheques além da capacidade do seu corpo parece ter feito sua maior declaração à favor do meio - ele lançou Top Gun: Maverick.
Maverick já seria um representante da guerra do cinema hollywoodiano tradicional contra os avanços do streaming como forma prioritária de produção de filmes se tivesse saído em 2020, mas agora? Após dois anos de pandemia? Ele pode muito bem se tornar o símbolo dessa disputa. Grandioso, barulhento, emocionante e espetacular, o novo Top Gun é a grande tese de Tom Cruise não só sobre como ele acha que filmes devem ser feitos, mas também o que eles representam. Melhor visto na maior tela e no melhor sistema de som possível, ele encanta ao combinar as melhores partes do original com novas cenas de combate aéreo arrepiantes e, o mais importante, coloca todas as fichas no seu principal astro. Há aposta melhor?
Depois de irritar o almirante, Mitchell é enviado de volta para a academia Top Gun, onde reencontra uma ex-paquera chamada Penny (Jennifer Connelly, salvando o interesse romântico da mediocridade clichê), é repetidamente caçoado por conta da sua idade e precisará lidar com a raiva de Bradley "Rooster" Bradshaw (Miles Teller), filho de Goose, seu antigo parceiro de voo. Mitchell ainda acredita ser responsável pela morte do amigo. Se no Top Gun original, um grupo de homens na era Reagan acreditava ter alcançado a imortalidade através de uma construção de imagem hipermasculina e idealmente americana, Maverick mostra a sombra da morte pairando sobre essas figuras e o que elas representam. O tempo, Mitchell diz, é seu maior inimigo.
Rooster é um dos pilotos que Mitchell deve treinar para uma missão perigosíssima contra uma força militar inimiga (o país nunca é mencionado) antes que eles possam se armar. Não há muito segredo daí em diante. Há sessões de treinamento para a equipe, que tem apenas três semanas para aprender a fazer algo quase impossível. Sem adicionar tramas desnecessárias ou complicar demais os relacionamentos, o roteiro de Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie (com base na história de Peter Craig e Justin Marks) mantém o foco no carisma dos personagens, confiando no charme de seu talentoso elenco para comunicar as emoções necessárias para o avanço da história. A abordagem acaba sacrificando alguns coadjuvantes. Phoenix (Monica Barbaro), Bob (Lewis Pullman) e a já mencionada Penny permanecem num só tom. Só Connelly é capaz de elevar um pouco o material.
Com outros personagens, o texto mais básico não é problema. Com doses idênticas de empolgação e vulnerabilidade, Teller entrega sua melhor atuação em anos como Rooster, tão perfeito como filho de Goose que uma pessoa poderia até acreditar que ele realmente é a prole de Anthony Edwards. Glen Powell, responsável por viver Hangman é outro destaque, sempre sorrindo como se soubesse do quão ideal ele é para o papel do melhor e mais arrogante piloto dessa classe.
Mas não há para onde fugir. Esse filme é, de cabo a rabo, de Tom Cruise. Não sei nem se "atuação" é a palavra adequada para descrever seu trabalho aqui. Ele está simplesmente sendo Tom Cruise. E podemos reclamar? Cruise é o corpo e alma de Maverick, suas visões informam não só o texto mas também o contexto no qual esse blockbuster se encontra, seu sorriso e olhar transcendem a tela para atingir a audiência e sua presença é o principal atrativo do show. Não entenda errado; ele é ótimo aqui. Numa cena em específico, ele faz um trabalho que seria digno de "clipe do Oscar" caso a Academia tivesse a coragem de indicá-lo, mas durante toda a obra, Cruise entrega exatamente o tipo de performance carismática necessária para ancorar esse porta-aviões monumental. Não importa o quão alto nas nuvens tudo esteja, ele é capaz de nos trazer de volta para o chão e pousar com segurança.
O diretor Joseph Kosinski é seu maior aliado nessa missão. Kosinski parece entender exatamente como filmar uma estrela, e compõe ao lado do diretor Claudio Miranda tomadas dignas da estatura (por assim dizer) do titã no centro dessa trama. Isso sem falar nas cenas de combate aéreo, que graças ao posicionamento de câmeras nos próprios aviões, uma mixagem de som impecável e o uso inteligente de efeitos práticos são capazes de saciar nossa necessidade de velocidade. Juntos, Kosinski e Cruise tiram o fôlego da audiência em diversas sequências, mas é na explosiva conclusão do novo Top Gun - a missão para qual todos se preparam - que a barreira sônica é quebrada e Maverick alcança novas altitudes.
Top Gun: Maverick não é um filme perfeito, mas é perfeitamente executado. No humor, na emoção (leitor, eu jamais esperava me sentir comovido por Top Gun), nas atuações principais, na música (Lady Gaga, The Who, Hans Zimmer) e especialmente na energia de um Tom Cruise absoluto, ele tem tudo que se pode pedir de um blockbuster moderno, e mais. Talvez, um dia, filmes assim morram. Mas não hoje.
4/5