True Detective: Terra Noturna é uma espetacular renovação da série

True Detective: Terra Noturna é uma espetacular renovação da série

Issa López, Jodie Foster e Kali Reis descongelam True Detective com um novo mistério na HBO

Guilherme Jacobs
12 de janeiro de 2024 - 8 min leitura
Crítica

É 17 de dezembro, e o sol vai põe pela última vez por meses na região norte do Alasca. Para os habitantes da fictícia cidade de Ennis, "onde "as costuras de tudo estão se arrebentando" e onde True Detective: Terra Noturna se passa, a longa noite é quase uma manifestação literal de uma escuridão espiritual que paira permanentemente em suas vidas. É o pior momento para oito cientistas do centro de pesquisa local desaparecerem, e ressurgirem mortos num bloco de carne e gelo quase como um enigma de outro mundo.

Para solucioná-lo, a chefe de polícia da cidade Liz Danvers (Jodie Foster) e a policial estadual Evangeline Navarro (Kali Reis) precisarão trabalhar juntas pela primeira vez desde que romperam sua parceria após um caso de violência doméstica particularmente brutal. Entender como oito cientistas podem morrer dessa forma já é difícil por si só, mas isso é True Detective, e o tempo é um circulo. Assim como na incomparável primeira temporada com Matthew McConaughey e Woody Harrelson, Terra Noturna não é apenas sobre uma dupla de detetives tentando resolver um caso; mas também, de certa forma, sobre nossa luta existencial contra o mal.

Ambientada numa cidade que recebe seus visitantes com a convidativa placa de "bem-vindos ao fim do mundo," e abastecida pelo mistério da morte de homens cuja pesquisa envolvia a busca pela "origem da vida," Terra Noturna passa as rédeas da série do criador Nic Pizzolatto, que não conseguiu retornar aos auges de sua primeira temporadas nas duas tentativas seguintes, para Issa López. A renovação criativa enche True Detective de nova vida, mas também retorna o seriado à fórmula inicial; dois (nesse caso duas) detetives, um caso aparentemente simples que revela uma vasta conspiração, e uma camada de horror cósmico cujas manifestações sobrenaturais podem, ou não, ser verdade.

Como no interior do estado da Louisiana, onde as coisas pareciam derreter lentamente, o Alasca, e Ennis em especial, é o tipo de cenário ideal para a história que López quer contar. Um lugar onde vários moradores relatam ver fantasmas de seus entes queridos como aparições vindas do gelo infinito que os cerca, Ennis é simultaneamente real e surreal. Sob a direção de López, a cidade ganha cor e textura, e rapidamente entendemos os dilemas e a cultura de quem mora lá, como a luta contra a corporação Silver Sky e a poluição de sua mineração constante, e o esforço para manter os costumes Inuit, o povo nativo da área. Como de costume nesse tipo de história, nem todos os núcleos coadjuvantes estão no mesmo nível, mas o sucesso coletivo supera problemas individuais.

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Mas em parte pelas sombras que consomem o horizonte, Ennis parece um sonho que você teve dentro de uma sala fechada, sempre dissolvendo nas paredes. A pouca visibilidade, reforçada por uma fotografia de alto contraste na qual as luzes são fortes e as trevas grossas, permite-nos imaginar qualquer coisa existindo além das fronteiras do olhar, e é para esse desconhecido que Danvers e Navarro precisam ir para conduzir suas investigações. Para elas, assim como para o policial novato Peter Prior (Finn Bennett) e seu pai, o veterano Hank (John Hawkes), esse processo significa lidar com cicatrizes pessoais, se aprofundar nos problemas locais e questionar tudo que pensam saber, até mesmo suas crenças.

Se Pizzolatto bebeu de Robert W. Chambers e H.P. Lovecraft para o caso original da série, mas parecia mais interessado nesses conceitos como literatura, López está totalmente investida na construção do clima e imagens de terror como possível resposta para a miríade de perguntas enterradas na neve, e suas influências são mais modernas; John Carpenter e Rod Serling. Enquanto seu antecessor usou o horror cósmico para pintar o mundo que construiu, López faz uma engenharia reversa e tira das tradições e medos do povo de Ennis as ideias que farão as detetives, e o público, duvidar de sua sanidade.

Claro, López nunca deixará explícito que o culpado é um espírito. Sempre é possível explicar tudo como consequência do isolamento, da noite eterna e do frio insuportável. Mas saber equilibrar a ambiguidade com as soluções é primordial para este tipo de história. Mesmo caminhando sobre gelo fino, a showrunner cumpre esse desafio com êxito, encontrando ainda espaço para emoção e humor genuínos no caminho.

Suas principais colaboradoras são Foster e Reis. Amargurada e sarcástica, Danvers traz Foster de volta à figura policial pela qual ela ficou conhecida em O Silêncio dos Inocentes, e uma boa parcela do prazer de assistir a True Detective: Terra Noturna é ver de quantas maneiras ela consegue perder a paciência. Numa de suas melhores atuações, ela encontra uma parceira de ringue ideal na boxeadora e atriz Reis, cuja versatilidade em tela faz de Navarro alguém profundamente introspectiva, mas igualmente motivada a espancar o mundo ao seu redor.

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As duas mulheres são concebidas pelo time de roteiristas como complicadas e carismáticas, eletrizando não só as interações entre elas, como suas cenas com os personagens marcantes vividos por um elenco de talento (Fiona Shaw e Christopher Eccleston, para citar alguns). Elas são tão capazes de carregar nosso interesse quanto o caso em si.

A morte dos cientistas, claro, revela segredos de todo o tipo, culminando numa conclusão imprevisível e satisfatória, mas não há sucesso maior no trabalho de López em True Detective: Terra Noturna que sua capacidade de nos manter tão investidos na resolução pessoal de cada uma quanto na identificação de um criminoso.

Terra Noturna não é o mesmo relâmpago que a primeira temporada de True Detective foi, e nada será. O que torna a nova série tão eficaz, porém, é como depois de pegar emprestado a moldura de Pizzolato (e alguns de seus elementos artísticos, como uma certa espiral), Issa López, Jodie Foster e Kali Reis pintam sua própria história. Comparações são inevitáveis, mas isso é algo novo. Os residentes de Ennis podem não ter certeza do retorno dos mortos, mas depois de conhecê-los, uma coisa nós podemos dizer: True Detective está de volta.

True Detective: Terra Noturna estreia no dia 14 de janeiro com seis episódios exibidos todo domingo na HBO e HBO Max.

Nota da Crítica
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Guilherme Jacobs
DISPONÍVEL EM

True Detective: Terra Noturna

Crime
Mistério
Suspense
1h 0min | 2024
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