Wandinha se apoia em Jenna Ortega para ser uma das séries mais divertidas do ano - Crítica do Chippu
Atuação perfeita de Jenna Ortega e boa direção de Tim Burton deixam Wandinha, série da Família Addams, divertidíssima
Crítica
Se você falar para alguém que Tim Burton já dirigiu A Família Addams, a maioria provavelmente concordaria. Entretanto, o diretor de Edward Mãos de Tesoura, O Estranho Mundo de Jack e A Noiva Cadáver nunca havia se aventurado nos personagens das memoráveis tirinhas que Charles Addams publicava no New Yorker há quase 100 anos. Wandinha, que estreia em 23 de novembro na Netflix, muda isso. Burton dirige quatro dos oito episódios da primeira temporada, e ao lado da atuação perfeita de Jenna Ortega é o principal responsável por uma das produções mais divertidas do ano no serviço de streaming.
Wandinha (Wednesday no inglês) existe desde 1938, e como todos os membros do clã macabro, mudou com o passar das décadas. Na maravilhosa série dos anos 1960, ela e seus parentes — o pai Gomez, a mãe Morticia, o irmão Feioso, o tio Chico, o mordomo Tropeço e, claro, o divertido Mãozinha — ficaram mais cômicos, e nos filmes dos anos 1990, Christina Ricci e a personagem e tornaram quase inseparáveis.
Agora, 30 anos depois, a atriz ainda é escalada em papéis com ares estranhos, como acontece inclusive nesta série. Esse contexto histórico é importante porque, como acontece com figuras tão antigas como essa garota, Ortega assume um grande desafio ao aderir às trancinhas e roupas escuras. Todo mundo tem uma ideia de quem é Wandinha Addams.
Tais ideias, porém, serão imediatamente reconfiguradas. O feito de Ortega é impressionante. A jovem atriz, cujo 2022 foi povoado de inúmeros bons filmes de terror e uma ascensão rápida na atenção dos cinéfilos, não só se encaixa na linhagem histórica de Wandinha, rapidamente preenchendo as expectativas da audiência de como a personagem se comporta e fala, como também torna o papel inteiramente seu. Ela será, para a grande maioria, a referência quando se fala da menina Addams.
Ao longo do último ano, Ortega se tornou uma espécie de nova musa do terror com Terror no Estúdio 666, X - A Marca da Morte e Pânico, quinto filme da franquia que agora tem seu rosto no centro (ela retorna para Pânico 6 em 2023). Assim, a série de Wandinha parece uma coroação de sua personalidade. Sombria, cômica e disposta a fazer tudo. Ortega é totalmente convincente sorrindo enquanto assiste a um ataque de piranhas, quando não contém o prazer de encontrar um cadáver ou quando se decepciona ao ser banhada de tinta vermelha num baile escolar. Ela queria sangue de porco, como em Carrie.
O sarcasmo, ironia e deleite deturpado de Ortega ganham o ambiente perfeito para florescer na série, na qual Gomez (o sempre divertido Luis Guzmán) e Morticia (Catherine Zeta-Jones, digna de ter sua própria série também) decidem enviá-la para a academia Nunca Mais, onde Edgar Allan Poe teria estudado, para que a jovem cresça e faça amizades com outros excluídos e deslocados. Videntes, sereias, lobisomens, vampiros e outras criaturas estranhas estudam lá. A instituição, em teoria, é um lugar à prova das normas sociais tradicionais. Um ambiente onde não deve haver a garota popular e o nerd sofrendo bullying, Essa noção, claro, rapidamente se prova falsa, mas não inteiramente.
Além da excelente Família Addams — aqui completada por Isaac Ordonez como Feioso, o perfeito Fred Armisen como Tio Chico, George Burcea como Tropeço e os dedos de Victor Dorobantu como Mãozinha — o maior sucesso da série criada por Alfred Gough e Miles Millar é construir uma série de personagens juvenis divertidos. Em um tempo onde tantas séries teen são recheadas de coadjuvantes que vão do clichê ao irritante, Wandinha tem diversos colegas cheios de carisma, personalidades tridimensionais e interpretados por atores dinâmicos.
Emma Myers faz um divertido oposto de Ortega com a colorida e empolgada Enid (que, aliás, é sua colega de quarto), Joy Sunday não deixa a rainha da escola Bianca cair em clichês, Moosa Mostafa é adorável como o tímido Eugene, e Hunter Doohan e Percy Hynes White são igualmente charmosos como os interesses amorosos Tyler e Xavier, respectivamente. Se prepare para debates emocionantes sobre quem merece o amor do coração negro e frio da garota Addams. Entre os adultos, Gwendoline Christie traz sua marca registrada de humor e imponência para a diretora Weems. O show, contudo, sabe quem é sua estrela. Ortega recebe dezenas de falas excelentes, e entrega cada uma com a dose certa de seriedade e humor, comunicando tudo com o mover intenso de seus olhos e suas expressões faciais memoráveis.
Esses alunos da escola Nunca Mais, claro, se envolvem num mistério digno de Edgar Allan Poe quando outros habitantes da cidade local, Jericó, começam a aparecer mortos nas mãos do que parece ser um monstro. Wandinha tem o azar (ou sorte, como ela diria) de se envolver nessa trama e desvendar uma teia de segredos recheada de sociedades secretas, ocultismo e talvez até a ressurreição de pessoas mortas há séculos. Para ela, então, é como uma colônia de férias.
A pergunta de quem está por trás das mortes será mais enigmática para os personagens do que para a audiência, mas Gough e Millar povoam o caminho até a resposta com algumas boas surpresas e momentos divertidos, particularmente quando deixam Wandinha e Mãozinha tomar controle da narrativa e explorar os cantos escuros de Nunca Mais e Jericó. A eficácia dos arcos secundários variam. O triângulo amoroso de Wandinha é surpreendentemente divertido, mas uma acusação antiga que surge contra Gomez justamente no único episódio em que Guzmán e Zeta-Jones têm uma presença maior é mal trabalhada, particularmente pela reação inexplicavelmente negativa de Wandinha à possibilidade do pai ser um criminoso.
E aí voltamos para Burton. Fãs do diretor vão lamentar a fotografia pristina demais da série (ainda que seu visual se beneficie dos ótimos figurinos da lendária Colleen Atwood e design de produção de Mark Scruton), mas sua mão é essencial para dar uma identidade à Wandinha, e não perder o foco. O cineasta é excelente no malabarismo das diversas histórias, e há uma clara queda de qualidade nos quatro últimos episódios, quando ele dá lugar à direção irregular de James Marshall e Gandja Monteiro. Ainda sim, a presença de Ortega e o elenco intrigante de atores jovens competentes se mostra suficiente para manter a energia mesmo quando o olhar por trás da câmera não é mais tão interessante.
Burton e Ortega são a melhor combinação da série, e é impossível não sonhar com mais colaborações dos dois. Ela tem um ar semelhante ao que Depp, o colaborador favorito do diretor, expressava em seus melhores trabalhos. O deleito pelo macabro, o lúdico misturado com o perverso, o sorriso de quem sabe se divertir com o proibido, e que nos faz querer ser os acompanhantes nessa jornada cheia de aranhas, bolas de cristais, facas e livros antigos. Mesmo quando o diretor deixa sua cadeira, a atriz, inseparável de sua personagem gótica, é um imã em cada frame de Wandinha. Ela é uma estrela. Ou, como Wandinha preferiria, um buraco negro.