Ursinho Pooh: Sangue e Mel é uma tragédia, mas tem um mérito
Talvez não exista filme pior em 2023, nem outro tão corajoso
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Ninguém gosta de assistir a um filme ruim. Por mais que a definição da qualidade de algo seja sempre subjetiva, a sensação de desperdício é unânime quando isso acontece. Ursinho Pooh: Sangue e Mel me causou está sensação, mas também algumas outras, pois por mais que seja um produto de baixíssimo nível até para os padrões mais baixos do cinema, ele carrega méritos difíceis de negar.
Primeiro porque o embrião da história do filme é genuinamente criativo. E não só em um aspecto escrito, mas também visual. O roteiro que é escrito e dirigido por Rhys Frake-Waterfield parte do pressuposto que o jovem Christopher Robin abandonou o Ursinho Pooh e seus colegas na floresta. Traumatizados pelo sumiço do parceiro, os animais foram consumidos pelo ódio e pelas mazelas de um ambiente que os corrompeu, e viraram criaturas medonhas que vivem para matar humanos.
Waterfield aproveitou que a obra de AA Milne e EH Shepard entrou em domínio público e subverteu a ideia de fantasia e pertencimento para algo que falasse sobre depressão e abandono. O embrião de uma boa ideia, como eu disse, está ali e inclusive é literalmente bem desenhado nos primeiros minutos de filme quando a infância de Robin e Pooh é contada. Mas o conceito morre ali mesmo, pois dá lugar a materialização de tais ideias em uma jornada de atuações bizarras, escolhas de personagens completamente sem sentido e pouquíssimo, ou nenhum, senso de humor - algo crucial para uma produção de baixíssimo orçamento e que altera sem nenhum pudor um símbolo infantil de várias gerações.
Não dá pra dizer que Sangue e Mel se leva a sério, pois não há qualquer concatenação dos acontecimentos que traga um senso de urgência na narrativa - é como se os 20 primeiros minutos de filme, na verdade, significasse tudo que ele tem a dizer. E talvez seja esse o caso, pois até ali, por mais amadora que a execução seja, ela traz propostas interessantes e não escorrega nem nas mortes escandalosas que apresenta - a parte mais gore, diga-se de passagem, não deixa a desejar, são bem feitas. O problema é que não há nada em volta disso, seja para rir, chorar ou se impressionar. Sangue e Mel têm desde o começo, se não houver história ou transformações visuais resta muito pouco para se apegar.
Não é raro você criar afeto por um filme sabendo que ele tem problemas seríssimos. Geralmente, essa escolha traz um contexto, uma história ou uma conexão inexplicável que modificou sua experiência com o filme. Para mim, Sangue e Mel não possui nenhuma característica que me fará defendê-lo como um filme minimamente tolerável. Ao mesmo tempo, de forma muito contraditória, confesso que é admirável a capacidade de Waterfield em ter essa ideia e colocar em prática com a confiança de que seriam necessários 90 minutos para contá-la. A história mostra que o correto é ele, pois o projeto não chegou a custar 100 mil dólares e já arrecadou mais de 5 milhões em 2023, além de garantir sequência. De fato, qualidade é discutível, sucesso nem tanto - e que continue assim, pois um nem sempre precisa significar o outro.