Você deveria assistir: A Inglesa, com Emily Blunt, é a série para quem ama Red Dead Redemption
Disponível no HBO Max, série criada por Hugo Blick é a melhor do começo de 2023
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Há uma natureza épica nos faroestes como A Inglesa. Talvez por conta dos horizontes amplos e longas viagens a cavalo, as histórias de cowboys, índios e bandidos no velho oeste ganham um ar de grandiosidade convidativo para personagens marcantes e tramas ambiciosas, onde a abordagem reforça o tamanho do mundo e de seus heróis. Essa característica, presente dos clássicos de Sergio Leone como Três Homens em Conflito e Era Uma Vez no Oeste até desconstruções como Bravura Indômita e Django Livre, permitiu à Rockstar criar dois dos games mais celebrados dos últimos 20 anos: Red Dead Redemption 1 e 2.
Seus mapas enormes nos colocavam no meio dessa paisagem aparentemente infinita. E através de encontros inesperados e inesquecíveis, tais mundos eram enriquecidos com personagens dignos do holofote, cada um protagonizando uma trama hilária ou trágica o suficiente para nos lembrar de quantas histórias diferentes estavam ali, de quanta vida havia por todo lugar. Criada e dirigida por Hugo Blick, a minissérie A Inglesa é a melhor adaptação desse sentimento tão marcante dos games. Seu oeste é tão recheado de figuras interessantes quanto de vistas deslumbrantes. Pinturas povoadas por perigo, aventura e descoberta, retratando ambiente duro e imperdoável onde qualquer jornada será difícil, ainda mais quando você é uma aristocrata britânica.
Disponível no HBO Max, A inglesa em questão é Cornelia Locke, vivida por Emily Blunt em uma de suas atuações mais imponentes e dolorosas até hoje. Uma lady, ela vem para os EUA em busca de vingança pela morte de seu filho. Sabemos pouco sobre como o garoto morreu, e tirando o fato de ser um homem, sobre quem ela culpa pela perda, e muito menos sobre como ela, alguém sem nenhuma experiência no ato de matança, planeja exercer essa vendeta. Para a sorte dela, o destino cruza o seu caminho com o de Eli Whipp (Chaske Spencer), um nativo-americano da tribo Pawnee que, por alguma razão, serviu no exército americano e ajudou a matar seus conterrâneos.
À primeira vista, a narrativa de A Inglesa parece básica. Inicialmente estranhos, Locke e Whipp começam como parceiros, se tornam amigos, e até vislumbram algo a mais. O roteiro de Blick, porém, rapidamente desfaz nossas noções pré-concebidas e segue rotas surpreendentes. A maior delas é que, apesar do título, Locke está longe de ser o único fogo da série, e Whipp não é a única pessoa com quem ela dividirá o holofote. Na jornada por um recém-centenário EUA de Blick, mais rostos surgem, tão integrais para seus temas e interesses — acima de tudo, o quanto a América foi construída na base de sangue derramado — quanto a dupla principal. Blunt e Spencer, porém, jamais deixam de ser o grande destaque. Sozinhos e juntos, os dois brilham com charme e determinação, impedindo o surgimento de qualquer cliché de amantes de mundos diferentes e eventualmente acertando uma dinâmica boa o suficiente para gerar em nós um desespero palpável quando um obstáculo força-os a, brevemente, se separar.
E não faltam desafios do tipo. O maior de todos é o vilão instantaneamente icônico de Rafe Spall, que toma controle da série no quarto episódio num flashback e nos faz prender a respiração até seu retorno no presente. Ele, porém, está longe de ser o único problema. Colocando uma série de ótimos atores (Ciáran Hinds, Toby Jones, Jan Knightley, Ben Temple, Gary Farmer, Nichola McAuliffe, Julian Bleach) para trazer à vida antagonista após antagonista, Blick cria uma atmosfera de brutalidade e perigo que sugere loucura na decisão de qualquer imigrante de explorar a terra da oportunidade, e transforma a presença de nativos num conto de tragédia e resiliência. Assim, os feitos heroicos de Locke, Whipp e outros aliados tornam-se momentos de transcendência e glória.
Eventualmente, as peças no tabuleiro se tornam confusas demais para o texto de Blick, e ainda que A Inglesa consiga trazer seus elementos de volta o foco, é inegável o quão difícil é compreender alguns movimentos narrativos. Intencionalmente, Blick corta esquinas, dispensa introduções e move num ritmo acelerado. Os prós superam os contras, mas assim como a terra onde os personagens trafegam é desafiadora, A Inglesa testará sua audiência.
Essa terra, aliás, ganha vida com a a fotografia de Arnau Valls Colomer. Com tendências Malick-ianas, ela contrasta a violência dos tiroteios com a beleza natural dos EUA (filmado na Espanha) na época entre sua fundação e sua eventual transformação numa máquina industrial. 100 anos depois da revolução, e ainda há algumas décadas do apocalipse faroeste tão bem retratado em Red Dead Redemption, Blick mostra como cidades são feitas, como lojas são fundadas, como dinheiro se move e como, muitas vezes, o preço pago por isso tudo é o holocausto e o sofrimento. Seu Estados Unidos é um de traições, prisioneiros e sacrifícios. A ideia do sonho americano existe, mas não como uma recompensa para quem trabalha duro e se esforça. Aqui, o vencedor é o mais sagaz. O mais perturbado.
Essas são tramas familiares para fãs de narrativas na terra sem lei. A Inglesa, porém, merece o destaque independente do quão familiar sejam essas ideias. A excelência com a qual Blick, Blunt e Spencer comunicam e trazem à vida a realidade daquele momento, um cujo potencial para crescimento só era superado pela capacidade para destruição, mais do que compensa qualquer repetição, e a criatividade presente no vasto elenco coadjuvante dá tempero e textura para os desertos e vilas do lugar. Juntos, eles fazem o oeste saltar da tela. Ele é algo vivo, agressivo, lindo e rico. A série, também.
"Você deveria assistir" é a coluna do Chippu sobre séries disponíveis em serviços de streamings com o propósito de destacar produções, velhas e novas, dignas de sua atenção. Pérolas escondidas, dicas alternativas e sugestões que podem estar ofuscadas pelos títulos mais óbvios.