
A Lenda de Candyman - Crítica do Chippu
Nia DaCosta misturam comentário social e terror numa bela continuação do clássico de 1992

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Quando Jordan Peele criou um impacto no mundo dos cinemas em 2017 ao dirigir e escrever o excelente Corra!, ele devia muito da mistura de terror com comentário social com um cult hit dos anos 90. Dirigido por Bernard Rose com base num roteiro escrito por Rose e Clive Barker, O Mistério de Candyman construiu um mito urbano em Chicago, de um homem com um gancho numa das mãos aparecendo atrás de você no espelho para te matar caso seu nome seja dito cinco vezes, e uma estudante branca, loira e de classe média-alta investigando a origem desta lenda e suas conexões com o racismo nos EUA. Agora, quase 20 anos depois, Peele é o produtor na continuação espiritual deste clássico; A Lenda de Candyman, dirigido por Nia DaCosta.
Na nova história, Yahya Abdul-Mateen II interpreta Tony, um pintor - mesma profissão do Candyman original - morando com Bri (Teyonah Parris) em Chicago, num apartamento e estiloso construído onde antes estavam os conjuntos habitacionais de Cabrini-Green, o frio e imponente cenário do primeiro filme. Para sua sequência, DaCosta apresenta uma Chicago revirada, literalmente. A abertura do longa-metragem mostra a cidade de cabeça pra baixo, afundando na neblina das nuvens e desaparecendo na escuridão do esquecimento. O centro urbano e seus habitantes engolidos.
Tony existe nesta Chicago fria e em decadência, começando a decolar com sua carreira artística mas sofrendo com bloqueio criativo de não saber como evoluir suas pinturas, obras misturando conceitos abstratos e consciência social, até ouvir da lenda do Candyman e da morte de Helen Lyle (Virginia Madsen no original) e procurar os guetos quase abandonados para entender sua origem e encontrar inspiração. Quando um dono de lavanderia local chamado William Burke (Colman Domingo) conta a história, ela é diferente do filme original e apresenta outra figura como o homem por trás do monstro. Entretanto, assim como o primeiro Candyman, interpretado em 1992 com a voz de mil trovões de Tony Todd, esta nova versão foi injustamente brutalizado por brancos em uma comunidade segredada.
Aqui, DaCosta e Peele, ambos autores do roteiro ao lado de Win Rosenfeld, começam a explorar e expandir a mitologia do filme original. Candyman já representava a fúria e o desejo vingativo de uma raça escravizada, assim como o mecanismo pelo qual eles eram capazes de processar os atos brutais de violência do homem branco. Certamente, alguém espancado, queimado e morto desse jeito deve ser um monstro, não é? Mas nas mãos desta continuação, sua ideia cresce, se tornando um avatar para o sofrimento negro em toda a Chicago.
É uma evolução natural e coerente com a ideia original, além de uma maneira de atualizar o mito com novos conceitos sem perder sua natureza central. Tony fica fascinado com a lenda e, como muitos outros ao longo do filme, não resista à tentação de dizer, cinco vezes, Candyman na frente de um espelho. O resultado, claro, é em assassinatos sangrentos. DaCosta toma uma decisão diferente do longa de 92 ao colocar, primariamente, figuras racistas como alvo desta força sobrenatural, mas nosso pintor não consegue escapar da maldição.
Ao longo do enredo, Tony é assombrado pelo reflexo do Candyman e mudanças no seu próprio corpo e mente, testando os limites da sua razão e as certezas sobre seu passado. Abdul-Mateen II, tal qual seu personagem, é uma estrela em ascensão em Hollywood e o por que é bem claro. O ator consegue caminhar entre o terror e charme, a curiosidade e a perturbação, basicamente de cena em cena. Entre cortes, DaCosta o coloca em situações nas quais ele precisa carregar o filme, ser nosso portal para este mundo assustador, e ele constantemente se prova à altura do desafio. A diretora, também, entende o poder de sua presença física, enfatizando o corpo do protagonista em momentos do primeiro ato para entendermos seu potencial nos confrontos finais.
Também eficazes são Parris e Domingo. Ela mostra um alcance e variação emocional não visto, por exemplo, em WandaVision, nos dando uma prévia do seu trabalho em The Marvels, quando se reunir com DaCosta novamente. O ator, por sua vez, um veterano que está brilhando nos últimos anos graças a Euphoria e A Voz Suprema do Blues, exibe um carisma inegável. Seu olhar, sua voz calma e o jeito como enfatiza palavras são impossíveis de resistir como audiência, e quando o personagem é colocado em situações mais intensas, Domingo se mantém uma verdadeira presença.
Se a direção e as atuações do novo Candyman são muito eficazes, o filme, infelizmente, começa a se complicar por tentar florear demais o seu roteiro. A forma com a qual DaCosta, Peele e Rosenfeld expandem os temas e a mitologia original é, de fato, interessante, mas em certos pontos a lógica por trás da sua versão da lenda se torna difícil de acompanhar, assim como o comportamento da figura central. Terror nunca precisa explicar suas regras explicitamente, o desconhecido e imprevisível é importante, mas há uma certa consistência faltando neste longa.
Há, também, uma linha narrativa secundária envolvendo o passado da personagem de Parris sem nenhuma aparente razão se não justificar seu medo quando o namorado começa a surtar, algo compreensível mesmo sem os flashbacks focados nela. Os roteiristas, além disso, parecem precisar deixar claro os temas de Candyman não só no contexto, mas no próprio texto do longa, inserindo o máximo de palavras rebuscadas em certos diálogos que, por sua vez, lembram mais uma tese estudantil do que uma conversa. Por fim, a conclusão exula fansservice como nada no resto da história, abondando sutileza em troca de empolgação, e se salva apenas por usar a fantástica trilha sonora do primeiro filme composta por Phillip Glass.
Mas quando a combinação de tema, comentário social e terror de Candyman funcionam, com seu roteiro confiando nesta mistura de ingredientes e não tentando justificá-la, o filme é tremendamente eficaz. Seu terror não consiste em sustos ou criaturas macabras, mas sim num clima. Uma atmosfera pairando por cima de uma cidade, a encarnação de sua gentrificação e discriminação. Um reflexo num espelho sujo, visível por tempo suficiente para levantar os pelos do seu braço.
Nota: 3.5/5
guilherme-jacobs
review
crítica
terror
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