Alien: Romulus volta ao espírito do filme original para continuação visceral, violenta e ousada

Alien: Romulus volta ao espírito do filme original para continuação visceral, violenta e ousada

Leia nossa crítica do novo filme de Alien, dirigido por Fede Álvarez

Guilherme Jacobs
14 de agosto de 2024 - 8 min leitura
Notícias

Como muitas franquias históricas do cinema, e especialmente aquelas que foram mal gerenciadas por estúdios, Alien já foi muitas coisas. No seu cerne, porém, a criação de Dan O’Bannon e Ronald Shusett, trata especialmente de três temas, e todos podem ser identificados no filme original de 1979 — talvez o melhor terror e o melhor sci-fi já feito — assim como na nova, e ótima, continuação: Alien: Romulus.

Em primeiro lugar, essa é uma história sobre trabalhadores num universo infinitamente corporativista. Vemos isso na relação dos personagens com a Weyland-Yutani presente diretamente no texto, que constantemente nos lembra da distância entre empregadores e empregados. No subtexto, e especialmente na direção de arte iniciada pelo inigualável H.R. Giger, identificamos o segundo pilar: a fisionomia feminina, cujas aberturas são frequentemente violentadas pelos objetos fálicos. Por fim, na construção da mitologia, estão as perguntas clássicas da ficção-científica: de onde viemos, quem somos, e como mudamos isso? As respostas para essas questões rendem material tanto para o horror corporal quanto para a especulação espiritual.

São ideias que continuaram presentes ao longo dos anos, em diferentes graus, nos títulos da franquia (com exceção de Alien vs. Predator, que, francamente, nem deveriam ser mencionados), seja na apoteótica continuação de 1986 quando James Cameron trouxe tudo isso para o viés da ação, nos desastres como Alien - A Ressurreição, cujos movimentos ousados são constantemente abatidas por uma execução pobre, ou nos experimentos curiosos e irregulares que vieram no meio do caminho (olhando para você, Prometheus).

Alien-Romulus-Cailee-Spaeny-David-Jonsson

Em seu mais íntimo, Alien: Romulus é um retorno ao filme original. Protagonizado por funcionários revoltados com a vida que perderam para a Weyland-Yutani, seu roteiro (escrito pelo diretor Fede Álvarez ao lado de Rodo Sayagues) segue o longa de 1979 comandado por Ridley Scott (produtor nessa sequência) na estrutura, nos diálogos e até mesmo na progressão da história, onde acompanhamos Rain (Cailee Spaeny) e seu “irmão” sintético Andy (David Jonsson) se reunindo com amigos numa tentativa de fuga do planeta no qual eles são, essencialmente, escravos. Momentos e falas do clássico de Scott ressurgem com uma nova camada de tinta, e os últimos minutos são uma grande homenagem ao embate final de Ripley e do Xenomorfo.

Mas o novo filme é muito mais do que o “Despertar da Força” desta saga. Ainda que seu ponto de referência — até cronológico, já que ele se passa 20 anos depois da explosão da Nostromo e 37 anos antes de Ripley acordar em Aliens — seja o primeiro Alien, Romulus combina a familiaridade de sua premissa com um banquete de visuais cujo cardápio está mais do que disposto a puxar sabores até mesmo dos filmes de Alien mais polêmicos e rejeitados, sempre em serviço da construção de uma imagem aterrorizante e marcante.

Álvarez, afinal, ganhou fama pela visceralidade de seus filmes, e Romulus está repleto de mortes sangrentas, locais sombrios e sequências de tirar o fôlego, tipicamente utilizando elementos familiares (facehuggers, sangue ácido, etc.) de maneiras nunca antes vistas neste universo. Aqui, porém, o diretor mostra um entendimento de atmosfera e personagens raramente vistos nas suas obras. Alien: Romulus é profundamente tátil, não só por retornar às texturas enferrujadas, molhadas e orgânicas que O’Bannon e seus colaboradores escolheram para este mundo, mas por encontrar facetas inéditas dentro dessa linguagem, em particular durante a abertura na colônia de mineração onde Rain e Andy vivem.

Alien-Romulus-Xenomorph

Uma vez no espaço, onde a dupla acompanha outros jovens da colônia (interpretados por Archie Renaux, Isabela Merced, SpikeFearn e Aileen Wu) na exploração de uma estação abandonada que pode ser seu ingresso para longe dali, Álvarez liga os motores, transformando em um espetáculo tanto o cosmos brilhante em volta dos protagonistas quanto os corredores mal iluminados pelos quais andam até cruzarem o caminho do organismo perfeito. Muito se falou sobre os efeitos práticos de Romulus, e com razão. O Xenomorfo e os facehuggers animatrônicos permitem que Álvarez e o diretor de fotografia Galo Olivares (veterano dos filmes de Alfonso Cuarón, e destinado a virar um grande nome em seu campo) a encenar encontros assustadoramente belos entre o predador e suas presas de maneira íntima. Mais de uma vez, vemos de perto situações nojentas e marcantes pelos quais Rain, Andy e seus companheiros de viagem precisam passar.

As dinâmicas entre eles, aliás, não são as mais criativas, e especialmente o uso de uma certa figura cuja presença aqui (envolta em CGI e éticas questionáveis) nada mais é do que fanservice gratuito e desnecessário. Entre os protagonistas, a história é outra. Em grande parte pela atuação de Spaeny e especialmente Jonsson, que mantém uma camada de dor e tristeza sempre visível nos olhos do sintético, Rain e Andy sempre oferecem um gancho emocional no qual podemos nos segurar. O texto de Álvarez e Sayagues encontra nova vida no velho conceito da “pessoa artificial” já tradicional Alien, e a maneira com a qual Andy interage com o ambiente, e os humanos, ao seu redor oferece uma perspectiva distinta do clássico vilão manipulador (Ian Holm, no original) ou mocinho improvável (Lance Henriksen, no segundo filme).

Alien-Romulus-David-Jonsson

E são as ações de Andy que levam Romulus para um terceiro ato que ousa tocar em pilares divisivos e controversos da franquia (um determinado spoiler é equivalente a Vingadores: Ultimato decidindo resgatar Thor: O Mundo Sombrio). Álvarez evita o erro que o próprio Ridley Scott cometeu em seu retorno à franquia nos anos 2010 e sabe utilizar a mitologia a serviço de seu filme, e não como uma sucessão de explicações e conexões. Assim como as sementes plantadas por O’Bannon lá trás, Álvarez não quer trocar a história das pessoas normais de Alien: Romulus por nada, e quaisquer tópicos de ficção-científica e terror presentes aqui precisam existir para dar a Rain e Andy desafios, soluções, esperança e medo. Para o diretor, abrir o báu de brinquedos da série inteira é primariamente um jeito de colocar em tela sua próxima ideia visualmente impactante.

E assim ele faz, conferindo a Alien: Romulus uma conclusão arriscada, mas empolgante como poucas coisas nessa franquia foram desde que vimos Ripley, Newt e Hicks decolarem para longe do LV-246. É um salto narrativo que sem dúvidas frustrará alguns, mas que revela um abandono bem-vindo da parte de Álvarez. O diretor claramente valoriza Alien como um todo, não só o primeiro filme, e aproveitando os erros e acertos de todos que vieram antes, ele não deixa nenhuma carta na manga. Nem tudo funciona, mas a audácia dos tropeços só deixa os sucessos ainda mais admiráveis.

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