Asteroid City é um filme sobre fazer um filme de Wes Anderson - Crítica do Chippu
Em sua estreia do Festival de Cannes, Asteroid City reuniu um elenco de peso
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Você meio que sabe o que esperar quando um novo filme de Wes Anderson chega. Enquadramentos simétricos, cores pastéis, humor ácido, movimentos precisos de câmera. Ao longo de sua carreira, porém, Anderson adicionou mais um elemento à sua marca registrada de cinema: um elenco dos melhores. Cada um de seus últimos longas pode muito bem ser considerado o mais bem-escalado de seus respectivos anos, e com Asteroid City não é diferente.
Os rostos familiares estão lá. Jason Schwartzmann, Tilda Swinton, Edward Norton, Adrien Brody, Jeffrey Wright, Willem Dafoe, Liev Schreiber, Jeff Goldblum. Ao seu lado, novatos badalados como Tom Hanks, Scarlett Johansson, Bryan Cranston e Margot Robbie fazem suas estreias live-action na caixa de brinquedos de Wes. Ausente está seu fiel companheiro Bill Murray, que deixou o projeto e foi substituído por Steve Carell. Desde que assumiu o status de uma das estrelas do cinema atual, Anderson tem adquirido uma coleção de colaboradores tão idiossincrática quanto ele mesmo, e com Asteroid City, ele presta uma grande homenagem a essa trupe. Esse é um filme, entre outras coisas, sobre como é fazer um filme de Wes Anderson.
Bom, primeiro, Asteroid City é uma tragicomédia sobre pessoas enlutadas procurando por respostas. Feito com Steven Spielberg na mente, o filme se passa numa pequena cidade no deserto do Mojave onde, há milênios, um asteroide caiu e deixou uma cratera enorme. Através de um programa de TV (apresentado por Cranston quase como um Rod Serling) sobre uma peça contando os bastidores de outra peça, esta chamada Asteroid City, Anderson reproduz o conceito de histórias dentro de histórias pelo qual vem se apaixonando mais e mais, novamente usando o conceito da obra para informar a estrutura. Se em A Crônica Francesa tínhamos matérias de um jornal a lá New Yorker, aqui temos três atos e alguns intervalos.
A peça no centro de tudo é descrita por seu dramaturgo Conrad Earp (Norton) como uma reflexão sobre "infinito e não sei mais o quê", uma referência ao desconhecido do espaço, mas também sobre as incertezas esperando as pessoas quando uma dor sem fim se instala. No espetáculo, uma série de pessoas se vê presa na cidade titular quando as forças armadas instituem uma quarentena após um acontecimento de natureza extraterrestre (encenado por Anderson na cena mais engraçada dessa curiosa aventura) interromper uma cerimônia premiando cinco crianças geniais cujas invenções de natureza espacial foram reconhecidas pelo observatório local, liderado pela astrônoma vivida por Swinton. Talvez instigados por perceberem o quanto não sabem, eles se veem refletindo sobre suas vidas.
No holofote está Augie Steenback, que visita Asteroid City com seu filho Woodrow (Jake Ryan) e suas trigêmeas, e diante do tempo ocioso lá, se vê forçado a revelar uma terrível verdade: sua esposa, a mãe das crianças, faleceu. Lá, eles se deparam com outras figuras curiosas como a atriz Midge Campbell (Johansson), o general Grif Gibson (Wright), o cowboy Montana (Rupert Friend), o mecânico Hank (Matt Dillon), junto com uma professora vivida por Maya Hawke e pais de outras crianças premiadas, estes interpretados por Schreiber, Hope Davis e Steve Park. Uma hora, Hanks se junta ao grupo como sogro de Augie. Boa parte destas inusitadas participantes de um evento histórico estão, como Augie, sofrendo para entender algo.
Essa ansiedade, seja gerada pela morte de um ente querido, pelo desmoronamento de um casamento ou pelos mistérios acerca da vida além da Terra, quer isso signifique o Céu, quer signifique outro planeta. Asteroid City, de fato, é sobre algo infinito. No vácuo criado por perguntas que vão de “como viver após perder uma esposa?” até “será meu filho um alienígena?” há um cosmos de dúvidas sobre a experiência humana. Sim, cada estrela representa uma possibilidade, mas diante dessa vastidão de caminhos, quem é capaz de escolher?
Anderson adora combinar e contrastar a exatidão de sua abordagem como diretor — indo da direção de arte caprichosa até os sets minimamente detalhados, passando pelo blocking cauteloso e chegando até as inserções lúdicas — com o caos interior de seus personagens. As atuações aparentemente distantes de pessoas como Schwartzmann, Johansson, Schreiber, Hanks (e em sua única, mas memorável aparição: Margot Robbie) na verdade tornam poderosos os vislumbres de emoção que escapam de seus rostos como feixes de luz pelas brechas de uma porta. Na aplicação desse método em Asteroid City, um simples “adeus” pode partir o coração.
Nesse mar de questionamentos e arcos (há múltiplos romances, intrigas políticas, descobertas científicas), Anderson perde um pouco o fio da meada. Não há, por exemplo, um guia emocional para amarrar de vez seus temas como em O Grande Hotel Budapeste, e no vai e vem entre diferentes núcleos perdemos a oportunidade de criar laços fortes. Gostamos de todos os personagens, mas é difícil dizer se amamos algum deles. A qualidade do material, particularmente nos diálogos da peça, não está à altura de seus temas, e opera frequentemente na simplicidade mesmo quando desejamos dar um passo a mais. Assim, o tempo limitado com cada membro desse numeroso elenco acaba sendo danoso.
Felizmente, Anderson compensa isso tudo com o verdadeiro cerne de Asteroid City. Schwartzmann, Johansson, Hanks e companhia estão, lembre-se, atuando como atores que atuam numa peça chamada Asteroid City. É nesse segundo nível de história onde Anderson faz uma celebração quase metalinguística da relação com seus atores, em especial Schwartzmann, talvez seu parceiro mais fiel, e traça paralelos entre as várias camadas narrativas, eventualmente juntando energia suficiente para dar um soco direto em nossos sentimentos.
Esse impacto vem justamente quando o personagem de Schwartzmann (no caso, o ator que interpreta Augie) coloca para fora toda a frustração presente no texto e subtexto de Asteroid City, demandando (quase literalmente) uma resposta sobre o significado disso tudo. Intencionalmente ou não, é neste momento que Asteroid City realmente encontra sua órbita. Se até então, por design ou deficiência de Anderson, o filme pairava sem direcionamento, aqui ele encontra a rota de volta para casa.
A confusão é, de certa forma, adequada. Os mundo de Wes Anderson, sejam eles nas profundezas do mar ou nas ferrovias da Índia, são frequentemente descritos como “casas de bonecas.” Em Asteroid City, vemos o que acontece quando esses brinquedos flutuam em gravidade zero. Ao pousar, se vêem desorganizados. O acerto de Asteroid City vem na maneira como ele os coloca em seus novos lugares.
Crítica originalmente publicada em 24 de maio no Festival de Cannes.