Besouro Azul encontra o tempero certo na cultura latina e nos coadjuvantes de Bruna Marquezine e George Lopez

Besouro Azul encontra o tempero certo na cultura latina e nos coadjuvantes de Bruna Marquezine e George Lopez

Simpático, filme da DC diverte mesmo que não reinvente a roda

Guilherme Jacobs
16 de agosto de 2023 - 8 min leitura
Notícias

O filme que mais me veio à cabeça enquanto assistia a Besouro Azul foi Wolverine: Imortal. Por essa você não esperava. O divertido e simpático longa-metragem deste pouco popular herói da DC Comics tem pouquíssimo em comum, seja na abordagem ou história, com o capítulo do meio da trilogia de Hugh Jackman, mas eles existem na mesma esfera do cinema de super-heróis. Competentes, mas firmes na “fórmula”, estes filmes dificilmente são lembrados ou celebrados, mas tipicamente representam a solidez deste tão criticado gênero — em mãos eficientes e menor escala, é difícil não se divertir.

Besouro Azul não reinventa a roda, não se preocupa em construir um universo (ele se passa no DCEU ou DCU? A resposta é: tanto faz), nem finge que o destino do planeta depende do sucesso de seu protagonista, o jovem Jaime Reyes (Xolo Maridueña), que ganha uma armadura com poderes após entrar em contato com uma máquina alienígena chamada Escaravelho. Essas limitações conferem ao filme um caráter menos confuso. Livre das explicações sobre multiversos ou da ingrata tarefa de pavimentar o caminho para um derivado, Besouro Azul encontra na direção de Angel Manuel Soto tempero latino o suficiente para dar novos gostos a um prato conhecido.

Você nem precisa olhar para a receita. Ela está memorizada. Um rapaz atrapalhado porém charmoso recebe grandes poderes, tropeça enquanto aprende a controlá-los, e se vê diante de grandes responsabilidades, como a de derrotar vilões intimidadores. Diferenciando este projeto dos seus semelhantes está toda a textura, expressões e comportamentos de uma família mexicana e uma cultura diferente do que vemos rotineiramente. A influência latino-americana neste filme vai muito além do tipo de representação tipicamente implementada por Hollywood para satisfazer seu próprio ego.

Não é a inclusão de um personagem diferente, não é se passar em outro contexto mas não ter uma característica para se distinguir dos blockbusters comuns. A vida latina informa toda a personalidade de Besouro Azul; dos diálogos aos cenários, das alusões às músicas (combinadas com as composições futuristas de Bobby Krlic, elas formam uma trilha sonora bem idiossincrática), do elenco à trama.

Os caminhos de Jaime e do Escaravelho se cruzam porque sua família, prestes a perder a casa, precisa de dinheiro, e o diploma universitário do rapaz pouco significa na hora de pagar as contas. Formado em direito, ele ainda precisa passar pelo curso que garante a versão norte-americana da carteirinha da OAB, e isso é caro. Cabe ao menino se juntar aos milhares de sua geração que vão de “futuro da nação” para “problema da nação” depois da graduação, e bicos como limpar hotéis logo tomam o lugar dos livros de estudo. De forma similar, quando os poderes do Escaravelho colocam os Reyes na mira da impiedosa Victoria Kord (Susan Sarandon) e seu musculoso tenente Carapax (Raoul Trujillo), eles não podem chamar a polícia. Alguns deles, descobrimos, cruzaram a fronteira ilegalmente.

Soto encontra maneiras inteligentes de configurar suas melhores cenas nestes temas, apoiando-se não só naquilo que os latinos têm para celebrar, como também em seus desafios modernos. Uma das sequências mais intensas evoca a separação de famílias imigrantes nas mãos das autoridades, com homens armados invadindo o domicílio. Cria-se um drama palpável, com riscos moderadamente reais. Quando Jaime tem uma conversa importante, é ao lado de sua irmã (Belissa Escobedo) ou seu pai (Damián Alcázar), com quem fala de suas experiências e emoções. Há lugar para fantasia e ficção-científica, para outros mundos, para linhas do tempo e dimensões alternativas, mas é preciso um cuidado enorme para gerar peso emocional nesses tipos de história. Um filho ansioso por que não consegue ajudar seu pai? Não é preciso muito para entendermos esta realidade, especialmente quando se tem atores carismáticos nestes papéis.

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Maridueña faz um trabalho decente no holofote, mas, nos momentos mais sóbrios, suas deficiências como ator ficam visíveis, particularmente quando contrastadas com o humor caloroso do grande George Lopez como seu tio, ou mesmo o alcance da nossa Bruna Marquezine como Jenny Kord, cuja estreia em Hollywood não tem uma gota de nervosismo ou inexperiência. Na verdade, na maior parte de suas interações com o protagonista, a brasileira se sobressai com tranquilidade. Marquezine e Lopez são essenciais justamente porque, como um todo, o texto previsível e telegrafado de Gareth Dunnet-Alcocer deixa os personagens unidimensionais. O elenco fica encarregado de preencher as lacunas, das quais nenhuma é tão grande quanto a dos vilões. Por mais que Sarandon esteja claramente se divertindo com o papel de uma mulher horrível, Victoria e especialmente Carapax não passam de arquétipos.

Antagonistas fracos, afinal, são problemas típicos de filmes de herói, e como Besouro Azul se encontra afundado até os joelhos nesses clichês, este não é seu único defeito familiar. CG questionável (em poucas doses, o uniforme prático do Besouro faz uma grande diferença), um terceiro ato cansativo, conveniências mil para ajudar a progressão narrativa e a falta de imaginação na encenação (plano fechado atrás de plano fechado) estão aqui, assim como um melodrama heróico (“eu não quero esses poderes”) muito inferior ao desenvolvimento dos dilemas da família. Os parentes de Jaime, aliás, eventualmente são reduzidos a alívios cômicos numa batalha climática que pende um pouco demais para uma Sessão da Tarde. Arranca risadas, mas em contraste com o equilíbrio de tom apresentado até então, a piada cansa.

Ainda assim, Soto restaura o entretenimento uma vez inerente ao heroísmo cinematográfico. A sensação pura de torcer pelo herói, de se envolver em sua vida e compreender seus medos era algo comum nas primeiras produções de Homem-Aranha, Homem de Ferro e outros pioneiros da encarnação moderna desta proposta tão saturada, e é até surpreendente ver como filmes recentes são incapazes de gerar essa camada imediata de empatia. Quando Besouro Azul consegue aliar essa execução bem-sucedida às particularidades de sua cultura, ele faz do retorno aos fundamentos do gênero uma viagem surpreendentemente refrescante.

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