Blonde é uma visão reducionista e quase insuportável de Marilyn Monroe - Crítica do Chippu
Apesar de visual impactante e atuação dedicada de Ana de Armas, filme de Andrew Dominik não tem interesse em Marilyn Monroe

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Apesar de ter estrelado muitos filmes, Marilyn Monroe é, hoje, mais conhecida por imagens. Para a maioria das pessoas, legado da atriz O Pecado Mora ao Lado e Os Homens Preferem as Loiras consiste de um sorriso arrebatador, poses inesquecíveis e figurinos marcantes eternizados em fotos lendárias graças aos cliques de Eve Arnold, Milton Greene e outros. Seja em preto e branco ou explodindo em cores, a mulher antes conhecida como Nora Jeane Baker estampou inúmeras capas de revistas, ensaios fotográficos e propagandas que o diretor Andrew Domink traz à vida em Blonde não só com recriações fidedignas, como também usando os mesmos retratos para ditar a linguagem do filme estrelado por Ana de Armas, uma adaptação do romance homônimo de Joyce Carol Oates, cuja história mistura fato e ficção para capturar o espírito, mito e vida deste ícone dos anos 1950 e 1960.
Em Blonde, para o bem e para o mal, Monroe é, sem dúvidas, um ícone. Construído de maneira quase Malick-iana por Domink numa colaboração impressionante com a direção de fotografia de Chayse Irvin e o design de produção de Florencia Martin, o filme se apresenta como uma máquina do tempo, nos transportando para o período e recriando sua estética. Com trocas constantes de proporção de tela, cores e lentes, Domink transforma sua ambiciosa visão de Marilyn Monroe num passeio caleidoscópico, trazendo as supracitadas imagens à vida ao reproduzir as ações e vestidos da atriz, e usar seus elementos para informar toda a sua direção. É como se estivéssemos mergulhados nas fotos, explorando todo o mundo ao redor e além da moldura com aquele olhar. Que Blonde é esse espetáculo visual cheio de variedade e profundidade só torna ainda mais danoso e decepcionante como o filme trata sua figura central de maneira tão reducionista, simplória e limitada.
Ao engajar com a ideia da beleza de Marilyn e enxergá-la como um mito, Dominik construiu um filme ecoando essas mesmíssimas características, mas no altar deste feito sacrificou qualquer proposta de tratar a atriz como pessoa. Pelo contrário, sua abordagem revela indiferença ou até desdém pela protagonista. Talvez numa tentativa de pontuar os temas de distanciamento da realidade e objetificação feminina, o diretor trata Monroe com a mesma falta de humanidade que os homens em sua vida — sejam eles diretores Hollywoodianos ou presidentes — fazem, e assim Blonde se recusa a enxergar sua própria estrela como alguém além de seus traumas. Um exterior glamuroso escondendo um vazio eterno.
Tal descrição, claro, oferece muito potencial dramático. Se Blonde se propusesse a investigar quem era Marilyn Monroe atrás das câmeras e se se havia nela algo substancial ou “só” fama, talvez esse potencial tivesse sido explorado. Dominik, apesar de insistir em chamar a personagem pelo seu nome real — Nora Jeane — não deixa espaço para debates, estudos ou mesmo especulação sobre as verdades por trás do ídolo. Aqui, Marilyn Monroe é uma vítima. Sem agência, ela se torna um receptáculo para os abusos masculinos, encenados de maneira assombrosa e real em diversas instâncias, e incapaz de encontrar uma persona, de se definir além das ausências em sua vida. Novamente, há raízes para algo poderoso, e até ousado. Ao fim de Blonde, porém, a maneira com a qual essas questões são encaradas beira o insuportável. Faltando intermináveis 45 minutos, Dominik se revelará esgotado. Após repetir suas ideias por duas longas horas, ele decidirá, pasmem, insistir nisso até o fim.
A infelizmente inescapável narrativa de trauma, mais popular combustível para filmes e séries atuais, dita tudo em Blonde. O roteiro, escrito pelo próprio realizador, apresenta Marilyn como uma mulher incapaz de superar a ausência do pai na infância (ela chama seus amantes, que incluem competentes Bobby Canavale como Joe DiMaggio, Adrien Brody como Andrew Miller e Caspar Phillipson como um certo Mr. President, de “Papai”) e fadada a sofrer com a perda de filhos durante a gravidez repetidamente. Esses abortos, naturais ou não, são fato, e Monroe, assim como qualquer mulher, pode desejar ser mãe e sofrer intensamente quando esse sonho lhe é negado, mas Blonde não dá à personagem qualquer oportunidade de enfrentar ou explorar esse fantasma, ou qualquer outro. Ela é apenas alguém com quem coisas horríveis acontecem frequentemente. Assombrada pelas vozes dos bebês não nascidos, recriados com computação gráfica em sequências questionáveis, Marilyn se porta de maneira unidimensional.
Há alguns vislumbres de outras facetas de sua personalidade, como um despertar sexual engatilhado por Cass Chaplin (Xavier Samuel) e Eddy Robinson Jr. (Evan Williams), filhos de Charles Chaplin e Eddy Robinson, numa das várias sequências visualmente criativas e dinâmicas de Blonde. Mas até aqui, não há investimento nos pensamentos, perguntas e conclusões feitas por Marilyn diante desses e comportamentos e descobertas. Ela tem experiências, mas não muda. O mundo se transforma, a vida toma outros caminhos, mas a mulher no centro disso tudo só não é gelada graças à atuação entregue de Ana de Armas. Vulnerável, deslumbrante, sensual e trágica, a atriz identifica e traz para fora lados outrora ausentes de Monroe. Se o texto e a direção fazem pouco além de entender e reproduzir o efeito erótico de sua imagem, de Armas é a principal responsável por dar a Blonde a impressão de ser sobre alguém real.
São poucas, mas em suas cenas com o maquiador Whitey (um misericordiosamente leve Toby Huss) e algumas figurinistas — momentos raros nos quais a Marilyn de Blonde se deixa rir com leveza e até se fazer de boba — Ana de Armas sugere uma complexidade emocional e uma riqueza interior, completamente alheias a Domink. Não é surpreendente ver o diretor admitindo em entrevistas ter pouco, ou nenhum, interesse nas amizades femininas, nas motivações profissionais e no que Marilyn Monroe adicionava aos seus papéis. Para o cineasta, ela é uma visão efêmera.
De fato, Blonde se compromete fielmente a colocar essa visão em tela. Por quase três horas, Andrew Domink e Ana de Armas fazem jus ao status incomparável de Marilyn Monroe como um vórtex de fama e sex appeal. Rapidamente, contudo, fica evidente que só um deles está interessado em vê-la como algo a mais. Domink não erra ao tratar de temas polêmicos pelo prisma da mais desejada mulher da década de 1950, e nem erraria se ao menos oferecesse uma visão contracultural destes assuntos, desde que esta fosse bem construída através do desenvolvimento de personagem ou proposta visual.
Ele erra ao não fazer nada com todo esse material sensível, não mostrar tato e delicadeza, e reduzir uma figura tão rica em drama a um alvo para vitimizar. Toda a variedade de texturas do filme se mostra completamente vazia, porque para o diretor, o rosto no qual os holofotes estão também é.
2.0/5
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