
Cerrar Los Ojos: Mesmo em ritmo lento, filme espanhol prende a atenção - Crítica do Chippu
Em seu primeiro lançamento em 30 anos, o diretor Victor Erice reflete sobre o cinema e a velhice

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Em 1973, o diretor Victor Erice lançou o que se tornaria aclamado por muitos como a obra-prima do cinema espanhol em O Espírito da Colmeia. Uma crítica ao regime Franco disfarçada como uma fantasia infantil sobre o poder do cinema para acordar nossa imaginação, o filme anunciava a chegada de um mestre. Mas nos 50 anos de lá pra cá, Erice — que trabalhou em clipes, curtas e roteiros — só lançou dois longas-metragens: O Sul e O Sol de Marmelo. Dentro desse contexto, a decisão de Erice de colocar no centro de Cerrar Los Ojos, seu primeiro lançamento desde 1992, um diretor aposentado, apontava para algo.
Esse algo fica rapidamente claro quando em sua cena climática e mais emocionante, Cerrar los Ojos gera um eco de O Espírito da Colmeia. Se, ali, a aventura se inicia quando a exibição de um filme faz a mente de uma pequena garota voar, aqui, o clímax envolve a capacidade dessa arte de despertar nossa memória. Através de Miguel Garay (Manolo Solo) — um cineasta cujo segundo e último filme foi interrompido há 22 anos quando seu astro e melhor amigo Julio Arenas (Jose Coronado) sumiu sem deixar um traço — Erice faz uma bela meditação sobre o envelhecimento, usando não só seu protagonista como também todos à sua volta para refletir sem nostalgia ou trauma no que se passou. O olhar aqui é mais honesto, mais calmo, mais verdadeiro. E essa visão, de forma poética, é realizada através das obras que conectam as pessoas.
Para um filme cujo título traduz literalmente para “fechar seus olhos,” Cerrar los Ojos é uma grande dedicatória à nossa capacidade de ver nosso passado através de criações artísticas. Em conversa com outro filme do Festival de Cannes 2023 — Retratos Fantasmas — Erice vê no cinema, livros, fotografias e música o caminho para relembrarmos, revivermos e revisitamos. A proposta fica clara desde a primeira cena, uma longa sequência de 10 minutos recriando a abertura de “O Olhar de Despedida”, o filme que Miguel estava dirigindo com Julio no papel de um ex-guerrilheiro recrutado para encontrar a filha perdida de um homem.
Mais de duas décadas depois, a ficção deu lugar à realidade e os papéis se inverteram. Após ser convidado para um programa true-crime sobre o desaparecimento de Julio, Miguel se depara com figuras de anos passados — o montador de seus filmes Max (o ótimo Mario Pardo), uma antiga paixão chamada Lola (Soledad Villamil) e, mais importante, a filha de Arenas, Ana (Ana Torrent) — e ganha uma nova oportunidade de contar a história de um reencontro. Dessa vez, porém, é o pai quem sumiu, e a filha quem o procura.
Cheio de formalismo e paciência, Erice desenrola essa narrativa ao longo de devagares, mas magnéticos, 169 minutos. Graças à sua noção de encenação, de como posicionar a câmera e quando se aproximar para um close, até mesmo as mais básicas cenas de diálogos saltam da tela em movimento. E graças à qualidade de seu elenco, cada um dos encontros de Miguel se torna encharcado com emoção, seja ela o humor de dois homens velhos no papo com Max, a troca de olhares com saudade quando revê Lola ou o luto nunca processado na conversa com Ana.
Talvez ciente de que chances como essa são poucas, Erice não corta esquinas em Cerrar los Ojos. Vemos a gravação do programa de mistério para o qual Miguel é entrevistado e sequências imaginando a última noite de Julio antes de evaporar da face da Terra, temos vislumbres como é a vida de Miguel quando não está brincando de detetive e subtramas envolvendo outras mortes na vida do diretor são interligadas. O resultado é um filme que anda devagar e demora para alcançar seu ápice.
É difícil culpar Erice. Três décadas após lançar O Sol de Marmelo, ele claramente quer tirar várias ideias do peito e colocá-las na telona, ainda que com uma pitada de direção ultrapassada em momentos quando, por exemplo, faz fade to black para encerrar segmentos. Mesmo no lento ritmo da primeira hora, porém, Cerrar los Ojos demanda nossa atenção. Enquadrados por alguém que sabe construir imagens e vividos por atores de ponta, esses personagens eventualmente nos atraem para suas vidas. Quando a possibilidade de respostas sobre o paradeiro de Julio surge, estamos totalmente envolvidos.
Esse abrir das cortinas vem através de um belíssimo e comovente terceiro ato. Um fechamento que tanto celebra a vida e obra de Miguel e Julio quanto a do próprio Erice. Cinebiografias de diretores têm sido uma das constantes dos últimos anos. Diferente, porém, de algo como Belfast ou Os Fabelmans, Cerrar los Ojos reflete seu autor ao observar não sua juventude, mas sim a velhice, levando em conta o tempo longe das câmeras e o que ele perdeu nesse caminho. O maior feito do filme, porém, é apresentar a arte, e o cinema em particular, como a maneira de recuperar o que foi perdido.
3.5/5
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