Por que Creed III é o melhor filme de anime dos últimos anos
Michael B. Jordan usa influências de Naruto, Dragon Ball e outros shonens em sua estreia diretorial
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No início de Creed III, Adonis está prestes a fazer sua luta de aposentadoria. Aquela que vai unificar os títulos e fazer o herói vivido por Michael B. Jordan parar no auge. O adversário é o antagonista do primeiro filme, "Pretty" Ricky Conlan (Tony Bellew), que o derrotou lá atrás, mas, hoje, claramente é um oponente abaixo de seu nível. Mas a luta está se arrastando mais do que imaginavam.
Creed apanha muito, mas parece focado, com a câmera focada em seu rosto e menos na ação em si. Então, Creed olha para um ponto específico. A costela de Conlan é enquadrada em câmera lenta. Creed olha mais uma vez. Mais uma vez a câmera lenta passa pela costela de seu oponente.
O round acaba. O treinador, Adonis, Duke (Wood Harris), diz que ele está em desvantagem. Mas Creed não está preocupado. Quem assistiu qualquer anime na vida também não. Eles, assim como o protagonista da história, sabem que o combate já está decidido.
Esse é apenas um exemplo de um filme que se apoia, entre a reverência e as cópias descaradas, a uma linguagem que ainda não tem muito espaço em Hollywood, muito embora sua fonte seja algo que o cinema ocidental tenta adaptar com sucesso há décadas: animes e mangás. Agora, Michael B. Jordan pode ter mostrado o caminho certo.
Quem conhece o ator sabe que ele é um otaku convicto, desde as inúmeras entrevistas nas quais ele admitiu a influência de Dragon Ball, Naruto e animes de boxe como Hajime no Ippo e Megalobox (ambos disponíveis na Netflix) para seu estilo diretorial em Creed III. Quem quiser ir mais longe pode, por exemplo, lembrar de quando ele comemorou a “coincidência” da similaridade entre os visuais de Killmonger, seu personagem em Pantera Negra, e o uniforme do príncipe dos saiyajins Vegeta, eterno rival de Goku em Dragon Ball Z.
A luta é apenas um exemplo, mas a realidade é que Jordan fez de sua estreia como diretor em Creed III uma verdadeira carta de amor aos animes. Mais especificamente, os animes shounen, terminologia que define obras japonesas voltadas a garotos e onde se encaixa a maioria dos animes e mangás de sucesso no ocidente (incluindo todos os citados neste texto).
Essa homenagem se inicia por meio da estética. Enquanto desde o primeiro Rocky estamos acostumados a ver as sequências no ringue pegarem emprestado elementos de transmissões esportivas, Creed III deixa isso um pouco de lado para investir mais nesta abordagem surrealista, comunicando a intenção dos personagens através da estética da própria cena de ação.
Os closes generosos, a ênfase em pontos fracos, golpes de impacto em câmera lenta. Essas ideias vêm diretamente de animes de luta, ou até mesmo de esporte em geral. Sabe quando um personagem começa a pensar em todas as possíveis consequências de um lance enquanto ele passa em câmera lenta? É o que vemos em Creed III, só que sem o pugilista não narra seus pensamentos (quem sabe no próximo filme veremos MBJ abrir o segundo portão da otaquice como diretor).
No entanto, as influências não param nas cenas de luta e se entendem ao conflito central do filme, ainda que isso demore a ficar evidente no roteiro. O vilão de Creed III, “Diamond” Dame Anderson (Jonathan Majors), é um clássico anti-herói de obras shounen, no melhor estilo de Vegeta ou Sasuke Uchiha: uma figura cuja inveja pelo protagonista se transforma em raiva com tendências destrutivas, mesmo que eles tenham muito em comum ou um elo de amizade antigo e profundo.
Sem entrar em muito terreno de spoilers, os trinta minutos finais do filme são o mais puro suco da estética de animação japonesa aplicada a Hollywood, desde as mudanças de ambiente proporcionadas durante o fatídico embate entre Creed e Anderson, a uma cena importante entre os dois nos últimos minutos do longa.
Mesmo que não seja a principal intenção, Creed III deve ressoar muito mais com esse fã de anime que Hollywood tenta levar ao cinema do que obras feitas visando diretamente esse público, como Ghost in the Shell. A questão é que o filme de Michael B. Jordan, ele próprio uma pessoa fortemente influenciada por esse tipo de animação, mostra que trazer estas obras precisa ir além de adaptar seu roteiro e reproduzir seus elementos.
Também é necessário observar uma linguagem visual comum entre essas obras que, às vezes, se comunica muito melhor com o público do que uma versão com figurino e cenários fiéis, mas sem a identidade. Provavelmente, isso será possível (e até mesmo provável) daqui para frente, com a ascensão de uma geração de diretores jovens que cresceram assistindo a animes, como o próprio Jordan, tragam a sensibilidade necessária para trazer clássicos da animação oriental em versões hollywoodianas.