Creed III é uma estreia diretorial competente para Michael B. Jordan, mas o show é de Jonathan Majors - Crítica do Chippu
Inexperiente mas criativo, B. Jordan assume protagonismo atrás das câmeras e Majors toma o holofote
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Estreias diretoriais não são fáceis, independente do tamanho do projeto. Mas começar sua carreira por trás da câmera numa histórica franquia de cinema, precisando seguir o legado de uma das maiores estrelas de Hollywood e do diretor que lhe lançou? Bom, isso é como um boxeador amador enfrentando o campeão mundial. Esse é o desafio encarado por Michael B. Jordan em Creed III, o nono longa-metragem na saga de Rocky Balboa e o primeiro sem o personagem de Sylvester Stallone.
Ao lado de Ryan Coogler, o cineasta responsável por lhe elevar para a estratosfera, Michael B. Jordan reviveu Rocky e lançou Creed como algo capaz de se sustentar sozinho. Agora, com Stallone e Balboa ausentes (um por brigas com produtores, o outro por conta do adeus merecido de Creed II), ele precisa aguentar os socos e carregar a série para a frente como astro e diretor, efetivamente reproduzindo a metodologia usada pelo próprio Stallone — o comando nos bastidores com o domínio da câmera — para se anunciar como a cara desta franquia. Nada mais justo. Desde o princípio, Creed é sobre legados. Uma apropriação cultural ressignificando o cenário original da Filadélfia, Creed chegou à conclusão que a única maneira de fazer jus a nomes pesados é criando sua própria marca. O reboot funcionou por adotar a cultura preta, do hip-hop, de filhos sem pais, para se estabelecer como continuação digna e recomeço empolgante.
Ninguém confundirá Jordan com Coogler ou Stallone com Creed III, mas qualquer nervosismo sobre a capacidade dele de continuar a tradição podem ser descartados. Creed III é definitivamente um filme de Michael B. Jordan. Há conceitos visuais inéditas na franquia e problemas comuns em diretores de primeira viagem. Suas influências, interesses, incapacidades e incertezas estão tão visíveis quanto seus trapézios e bíceps, e apesar da obra não ser imaculada como o corpo de seus principais lutadores, gladiadores romanos num espetáculo violento, há suficiente para se divertir.
Esse mérito pode ser fruto do gênero de Creed III, um arrepio inerente aos filmes esportivos particularmente presentes no boxe, quando a própria modalidade oferece a oportunidade de literalizar a luta interna de personagens através de 12 rounds de socos, esquivas e nocautes. Levando em conta o quão cativante Adonis Creed (Jordan) e sua esposa Bianca (Tessa Thompson) se tornaram desde seu surgimento em 2015, não é difícil investirmos emocionalmente em suas vidas uma terceira vez, mas Creed III, felizmente, não se apoia inteiramente no passado. Sua narrativa é centrada em traumas, em abandonos, em histórias cruzadas, mas essa é a primeira vez desde o Rocky original em que o material é praticamente todo original. Claro, Rocky e Apollo são mencionados. Há participações especiais dos dois rivais anteriores de Adonis. Estamos naquele mundo. Não há, porém, complexos não resolvidos com Apollo e não há envolvimento de outros coadjuvantes e vilões de Rocky.
O adversário da vez é alguém conectado somente a Adonis. A introdução de Dame Anderson, um golias com potencial de explodir a qualquer momento vivido por Jonathan Majors, ajuda Creed III a firmar o novo dono do holofote, e enquanto amamos o boxeador de Stallone (e algumas cenas deixem sua ausência quase indesculpável) a decisão é correta. Anderson, também, perpetua a noção inescapável de que Majors é o grande ator do momento.
Depois de receber elogios em Sundance com Magazine Dreams e, de forma quase unânime, escapado de Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania como a melhor parte de um filme falho, Majors entrega sua terceira ótima atuação em três meses e faz com Michael B. Jordan o que este fez com Chadwick Boseman em Pantera Negra. Dame não é o herói, mas ele rouba o filme. Recém-saído da prisão após quase duas décadas atrás das grades, ele é um gigante pronto para compensar pelo tempo perdido com músculos grandes o suficiente para fazer seu rival parecer baixinho. Dame e Adonis eram melhores amigos durante seu tempo em casas de adoção, e enquanto o jovem Creed dava os primeiros passos no boxe, Johnson já era um prodígio. Sua decolagem foi interrompida quando, ao lado de Adonis, ele foi parado pela polícia no meio de uma briga de rua. Um dos dois garotos conseguiu escapar da lei, o outro não teve a mesma sorte.
Majors é a escolha #1 de qualquer pessoa querendo combinar talento e promessa em Hollywood no momento. Michael B. Jordan continua, aqui, um protagonista carismático dotado de um charme natural deixando ator e papel praticamente indistinguíveis, mas Majors tem um ar perigoso. Isso lhe deixa empolgante. Desde seu primeiro segundo em tela, ele se anuncia como algo diferente. Sua presença exala a característica tão magnética quanto misteriosa vista em grandes atores; uma imprevisibilidade capaz de nos colocar na beira da cadeira, com as mãos tensas e os olhos abertos. A ira de Dame é palpável, mas enquanto a expressa, Majors jamais deixa o papel se reduzir a algo parecido com um vilão do cinema americano oitentista, o tipo de figura cuja personalidade some em meio à aparência musculosa. Pelo contrário, ele enriquece cada segundo. Como fez com Kang, em Magazine Dreams e tantas outras atuações, ele cria um homem com vida interior, com pensamentos audíveis mesmo quando se está calado. As explosões vêm, e ele é fantástico nelas, mas seu brilho é maior nas cenas quietas.
O fato de Adonis não ser completamente varrido da telona é uma grande vitória para Michael B. Jordan, um dos únicos jovens dignos do título de estrela de cinema atualmente. Ele não tem a mesma capacidade ou alcance de seu adversário, mas assim como Adonis está em casa no ringue, MBJ convida o foco de sua própria câmera e está confortável como núcleo de uma produção deste tamanho. Talvez, contudo, essa diferença entre atores e personagens seja uma das culpadas pelos problemas de Creed III.
O roteiro de Zach Baylin e Keenan Coogler, com base numa história de Ryan Coogler, oferece várias oportunidades de aprofundamento para Adonis, agora visto pela comunidade de boxe como um veterano ultrapassado e digno de sua aposentadoria. Deixando de lado o absurdo dessa ideia quando levamos em conta a idade e físico de MBJ, o avanço no tempo coloca o rapaz, antes um desafiante não testado, no ponto onde Rocky chegou no terceiro e quarto filme da saga original. Sua casa é uma mansão, seus títulos são vários, mas há novos problemas. A chegada de Dame, cujo talento para vencer era tão grande quanto o de Creed, é um deles, mas Baylin e Coogler levantam mais possibilidades. Algumas interessantes, outras não.
A mais promissora é o surgimento de tendências violentas em Amara (Mila Davis-Kent), filha do campeão com sua esposa e herdeira da surdez de Bianca. Quando conhecemos Adonis em 2015, sua primeira cena era uma briga numa cadeia juvenil, e a ira decorrente do pai ausente sempre serviu como obstáculo e combustível para estes filmes. Vê-lo tentando quebrar o ciclo seria fascinante, mas o texto não leva a proposta para nenhum lugar convincente. O mesmo acontece com a piora de saúde de sua mãe (Phylicia Rashad) ou com a dificuldade de se abrir com Bianca, cujo arco também é desperdiçado. Assim como Dame vê em Creed o que ele poderia ter sido, Bianca olha para novas cantoras, cujas vozes agora cantam músicas de sua autoria, como o sonho parcialmente realizado dela. A perda de audição lhe tirou dos palcos, mas não há desculpa para não aproveitar mais Thompson.
Todas essas tramas poderiam guiar o filme como um todo, mas não fazem porque o texto jamais decide quais delas merecem ser exploradas a fundo. Dessarte, a inexperiência de Jordan na direção o faz seguir esses fios inacabados cegamente, e Creed III nunca obtém um norte. São vários socos em rápida sucessão, mas nenhum conecta com força suficiente para nos fazer ver estrelas.
Falo metaforicamente, porque a linguagem visual adotada pelo diretor — um fã declarado de anime cujas paixões (Naruto, One Punch Man, Dragon Ball) servem como inspiração para as cenas de lutas — poderia, muito bem, colocar planetas e satélites no meio da pancadaria. Isso, especificamente, não acontece, mas Jordan apresenta os visuais mais fantasiosos e inventivos de Rocky em um longo tempo. Às vezes, é difícil não olhá-los como muleta diante de sua inaptidão em gerar tensão como Coogler no primeiro Creed ou Stephen Caple Jr. na sequência, e parte do público certamente rejeitará esse salto em direção ao surrealismo, mas, no mínimo, essas sequências diferenciam Creed III. A assinatura de MBJ está clara.
Creed III acaba num paradoxo interessante. Majors é, sem dúvidas, a grande conquista do filme, mas enquanto mistura o verdor de seu diretor com o status mais experimentado de seu protagonista, este chega em algo novo. Como este é o nono capítulo neste universo, novidade é algo bom. Ela pode ser acompanhada de tropeços ocasionais, mas, ao menos, podemos ver alguém se arriscando. O que é Rocky, e Creed, se não a história de alguém se arriscando?
3/5
Creed III estreia em 2 de março nos cinemas brasileiros