Motel Destino: Neo-noir brasileiro tem ótima atmosfera e execução irregular
O filme de Karim Aïnouz teve sua estreia no Festival de Cannes 2024
Notícias
Dá pra perceber como Karim Aïnouz queria voltar para casa. Seja fisicamente, voltando a rodar no seu estado natal do Ceará, ou seja tematicamente, novamente voltando sua câmera para pessoas nas margens da sociedade repletas de desejo e ansiedade. Tudo isso está em tela em Motel Destino, o irregular mas cativante neo-noir que dá ao diretor brasileiro a chance de matar todas essas vontades.
Depois de focar em reis e rainhas nas terras frias no competente, mas inerte, Firebrand, Aïnouz abre Motel Destino, com uma fotografia super saturada que faz o céu e o mar mais azuis, as areias mais brancas e as árvores mais verdes, com dois irmãos suados, na praia, brincando de capoeira. É como se seu cinema soltasse um suspiro. Um deles, Jorge, está prestes a virar pai, e questiona se virar tio será suficiente para manter Heraldo (Iago Xavier) por lá. Ele quer se mudar para São Paulo, onde dizem que seu pai, supostamente morto, foi visto, e deixar a vida de crime para trás.
Num dos vários divertidos toques de gênero inseridos por Aïnouz na história, Heraldo precisa fazer, ao lado de Jorge, um último trabalho para a chefona local se quiser ser liberado, mas perde a hora do serviço depois de passar uma noite de bebedeira e sexo com uma mulher local que, para piorar, leva todos os seus pertences. O seu irmão encarou a bronca sozinho, e terminou morto. Caçado, ele decide fugir. Mas sem dinheiro ou documentos, a estrada fica pra depois, e ele busca refúgio no tal motel. Então, Motel Destino se torna quase um suspense erótico de um lugar só.
Gerido pelo intenso e perigoso Elias (Fábio Assunção) e por sua esposa, a risonha Dayane (Nataly Rocha), o motel não é o tipo de lugar para onde alguém vai na busca de uma noite inesquecível, e sim o tipo de espelunca de estrada para onde a comunidade local corre pela falta de opções, ou porque estão bêbados, ou porque lá sai mais em conta. O trabalho de Marcos Pedroso no design de produção, particularmente com a iluminação neon que banha os quartos num vermelho infernal, faz do motel um lugar instantaneamente marcante, e onde a trilha sonora — gemidos constantes que por vezes parecem gritos — evoca prazer e desespero.
A construção de atmosfera é o grande feito de Aïnouz em Motel Destino, um filme que parece ter observado o uso de músicas techno e cores fortes presentes nos noirs modernos como Bom Comportamento e Apenas Deus Perdoa para nos colocar em estado de feitiço. Há uma certa suspensão da realidade. Entrar no Motel Destino de Motel Destino é dar alguns passos em direção ao surrealismo, ideia reforçada pelo diretor com leves pitadas de horror através de flashes de animais, cadáveres e ilusões.
Em contrapartida, explorar os personagens que ali trabalham é problemático para o filme. Rocha e Assunção conseguem encontrar camadas a mais em seus papéis, uma tarefa que se prova mais difícil para o novato Xavier. Como resultado, Motel Destino oferece poucas ideias sólidas de suas personalidades, medos e desejos, e tem dificuldade para justificar as motivações de algumas decisões. Isso simplesmente não está entre as prioridades do diretor, o que torna difícil comprar, por exemplo, o romance perigoso que surge entre Heraldo e Dayane. A ambientação parece aflorar neles um desejo sexual forte demais para resistir, e Aïnouz está mais do que disposto para pausar toda a progressão e colocar em tela os encontros quentes entre os dois. Para seu crédito, o diretor não filma nada disso com olhar pornográfico. Eles são atrapalhados. Ninguém está posando. São pessoas.
Seria mais fácil nos convencer dessa relação, porém, se ela fosse algo puramente físico. Quando os dois começam a falar sobre uma união formada pelo destino, e passam a arriscar tudo por conta disso, o que no caso de Heraldo significa abandonar a ideia de fugir e viver em constante risco, fica mais difícil. E se não investimos nisso, tampouco investiremos na tensão de suas circunstâncias. Para ser justo, Aïnouz parece simplesmente não ter vontade de gastar tempo nisso. Contudo, dado o sucesso do clima que ele cria, e o esforço em fazê-lo, é difícil não ficar frustrado quando Motel Destino não consegue aumentar o grau de ansiedade e frenesi.
Isso se agrava quando, claro, Elias descobre a traição da mulher e Motel Destino precisa encenar uma conclusão violenta envolvendo o trio. Falta criatividade na hora de levar o embate ao máximo, e o encerramento aquém do que foi sugerido durante toda a obra deixa uma sensação de timidez onde devia haver um estouro. Fica, novamente, a impressão de que Aïnouz não está muito interessado nas convenções do noir, do suspense e até no filme de beira de estrada. Seu coração pulsa pelo exame do sexo como movimento e ação. Se assim for, tudo bem, só que ele é tão eficaz nos pilares do gênero, que é impossível não desejar que ele tivesse continuado a investir neles.