Cannes: Decision to Leave - Crítica do Chippu
Primeiro longa em oito anos de Park Chan-wook (Oldboy) transita entre romance e história policial
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O que é Decision to Leave, o novo filme de Park Chan-wook (Oldboy, A Criada)? Será uma história de investigação romântica, ou um romance investigativo? O fenomenal diretor sul-coreano constrói algo único com seu primeiro longa-metragem em seis anos - uma obra que não combina os dois gêneros tanto quanto os unifica, deixando as pistas do assassinato e os olhares apaixonados se tornarem um só. Aqui, o “vai ou não vai” diz respeito ao casal principal e a resolução do caso. Corações se partem não só pela culpa criminosa, mas também - ou ainda mais - pela culpa mentirosa.
Chan-wook retrata essa maravilhosa combinação na primeira interrogação (ou primeiro encontro) do detetive sul-coreano Hae-joon (Park Hae-il) e a enfermeira chinesa Seo-rae (Tang Wei), suspeita de ter assassinado seu marido, um agente de imigração da Coreia do Sul muito mais velho. O corpo do homem foi encontrado no pé de uma montanha depois de cair para sua morte. Chan-wook captura essa interação inicial entre policial e suspeita quase como uma comédia romântica, enquadrando seus rostos no centro da tela e alinhando os olhares. Eles pedem comida, contam histórias, olham fotos, descobrem suas peles. Como um futuro casal nos momentos preliminares de um relacionamento, há nervosismo e empolgação. A atração é magnética.
Os dates seguintes consistem de conversas por telefone, visitas à casa da suspeita, noites de tocaia onde, por mais que Hae-joon tenha os binóculos, ela parece observá-lo com mais precisão. Nesse primeiro ato, Chan-wook sugere a natureza oculta de Seo-rae, interpretada por Tang Wei com vulnerabilidade e sagacidade equilibradas numa corda bamba de ambiguidade nada acidental, ao mostrá-la através de espelhos ou em gravações. Nunca estamos vendo quem ela é de verdade. Hae-joon cai nessa ilusão. Mesmo depois de encerrar o caso com provas de suicídio, ela permanece firme em sua mente. Seu toque, seu olhar, seu cheiro. Mas apaixonar-se não é isso? Se perder na imagem inicial de uma pessoa, algo fadado a desaparecer? Ver o outro sem filtro é o maior teste do amor, e como investigador, Hae-joon está partindo nessa direção.
Cada pista, além de revelar mais sobre o caso, é como descobrir outra faceta de sua amante. Chan-wook adiciona uma ótima dose de humor à mistura de crime e romance, carregando diversas cenas com risadas provenientes do nervosismo e surpresa marcantes de uma paixão nascente. Quando Seo-rae convida o homem para sua casa, ele reage como um garoto. O mistério dessa chinesa o captura de uma forma oposta ao casamento à distância cada vez frio de Hae-joon com sua esposa (uma hilária e muito bem utilizada Lee Jung-Hyun). Semelhantemente, quando o detetive prende outro criminoso enquanto a mulher assiste, ela o examina com desejo. Os homens de sua vida são violentos, abusadores, insensíveis. Este, ela diz, é digno. Sua coragem e moralidade oferecem segurança, talvez o sentimento mais desejado para essa imigrante com passado de luto, solidão e objetificação.
Como Wong Kar-wai em Amor à Flor da Pele, Chan-wook e o diretor de fotografia Ji-yong Kim filmam o casal de forma intimista, sempre obstruindo parte do quadro com objetos ou pessoas, como criando a sensação de estarmos espiando algo. O cineasta nos coloca na mesa ao lado do restaurante, com uma perspectiva prestigiada, mas não perfeita, da interação entre o homem e a mulher cujo amor parece crescer a cada garfada. Neste banquete visual, a montagem usa uma série de cortes criativos para tornar a espera entre os pratos tão cativantes quanto a refeição em si. Como Um Corpo que Cai de Hitchcock - um diretor sempre referenciado pelo sul-coreano - Chan-wook transforma o amor em obsessão, a necessidade por respostas no medo da verdade, e assim caminhamos para uma segunda metade trágica onde, de certa forma, papéis se invertem.
Para Hae-joon, solucionar o caso pode significar perder a ligação com Seo-rae. Paralelamente, para Seo-rae, talvez só o crime mantenha seu novo querido por perto. Os dois atores, brilhantes de formas diferentes, capturam essas essências ao modificarem suas atuações com o tempo, reforçados por um sutil mas importantíssimo trabalho de maquiagem. A princípio, Hae-iil interpreta o investigador com mais honestidade, a exemplo de um garoto nervoso e suas vãs tentativas de esconder as intenções românticas, mas tudo muda quando as verdades começam a surgir e ele ganha o ar denso de alguém pós-término, quando a decepção leva até a imobilidade. Ele se torna mais fechado, mudo. Ela, por sua vez, se abre como uma flor venenosa ao mostrar ao adicionar ânsia nos olhos de Seo-rae, cuja armadura de concreto enfim se racha para desmascarar um interior vulnerável e desesperado.
Ao se aproximar da conclusão, o roteiro de Chan-wook e Seo-kyeong Jeong acelera a entrega de respostas sobre o caso, concretizando a prioridade dramática não nos mistério táteis mas sim nos emocionais. Menos preso a detalhes de lógica - uma que nunca falha em plantar o que colheu, vale dizer - e mais na investigação do comportamento humano, o filme se encerra com a busca pelo culpado de roubar o coração, tomando para si o amor e fugindo da cena do crime com ele.
5/5