Drácula já foi adaptado de incontáveis formas. Só Christopher Lee viveu o vampiro icônico de Bram Stoker oito vezes. Francis Ford Coppola transformou o livro no que muitos consideram o filme de estúdio mais experimental de todos os tempos, e há 100 anos, F.W. Murnau lançou o que pode ser a melhor adaptação da obra sem chamá-la de Drácula, com Nosferatu. Agora, A Última Viagem do Deméter faz algo inédito. Ele transforma um único capítulo, o mais curto do romance, num longa-metragem.

Leia nossa crítica de Drácula: A Última Viagem do Deméter

Em entrevista coletiva atendida pelo Chippu, o diretor do longa, André Øvredal, e três membros do elenco* — Corey Hawkins, David Dastmalchian e Liam Cunningham — falaram sobre os desafios (e vantagens) de trabalhar com um texto tão pequeno, limitado e aparentemente pouco detalhado.

*A entrevista com o elenco foi conduzida antes do início da greve dos atores da SAG-AFTRA.

"Drácula nunca foi interpretado dessa forma, eu acho que é uma ideia original para Drácula que está de acordo com a mitologia," disse o cineasta. O roteiro do filme, circula em Hollywood desde os anos 1990, e agora Bragi Schut Jr. (ao lado de Zak Olkewicz) finalmente conseguiu fazer sua proposta, um filme inteiro ambientado no navio que leva Drácula da Transilvânia para Londres, sair do papel. "Quando eu li roteiro, vi essa versão assustadora do Drácula do ponto de vista da tripulação que não faz ideia do que ele é. Do nada um demônio aparece em seu navio. Foi uma história de terror maravilhosa, semelhante a Alien," continuou Øvredal. De fato, a viagem do Deméter é tipicamente cortada dos outros filmes, mais interessados no tempo do vampiro em Londres, e na visita de Jonathan Harker ao castelo.

Drácula já foi enxergado como muitas coisas. Adaptações o interpretaram como uma metáfora para doenças sexualmente transitiveis, a praga e até um chefe abusivo, então perguntei a Øvredal como ele via o terrível conde. "Eu acho que é um filme sobre ciência vs. superstição. Ciência vs. sobrenatural. É um filme sobre o que as pessoas normais precisam encarar para aprender a lidar com aquilo que elas não entendem. E eu acho que encaramos essa realidade o tempo todo," disse o diretor. "Se não for um cenário totalmente realista, nós não entendemos, e não sabemos como lidar com isso. E eu amo ver isso na telona."

"Há um ditado no teatro que é 'se não está na página, não está no palco.' Se você não começa na página, se o material base não está ali, então vai ser muito difícil fazer a adaptação funcionar," Hawkins pausou e aproveitou o momento para demonstrar seu apoio aos roteiristas em greve. Algumas semanas depois da entrevista, ele e seus colegas do sindicato dos atores também entraram em paralisação.

Depois, ele continuou: "Textos clássicos como Bram Stoker ou Shakespeare têm infinitas possibilidades. Há uma razão pela qual ainda falamos sobre Drácula, e porque o filme pode conter tanto quanto contém. É porque é tão bem descrito. Começa na página."

Do outro lado do espectro de Hawkins estão Dastmalchian e Cunningham, que vivem o primeiro marinheiro e capitão do Deméter. Eles podem não acreditar em vampiros, mas seus personagens, como homens do mar, são repletos de superstições. Os dois criaram uma parceria visível no filme, que e traduziu para a entrevista, mas têm relações opostas com o livro. Cunningham nunca tinha lido Drácula antes de ser escalado.

"Eu sou quase um profissional de literatura e nunca tinha lido o livro, mesmo com o Bram Stoker tendo nascido a um quilômetro de onde eu moro agora. Eu passei na frente da casa onde ele nasceu todo dia da semana," Cunningham admitiu. "Quando o filme surgiu, eu li o capítulo e descobri que eles estavam tentando fazer esse filme há 20 anos e falhando e última hora. Mas quando você lê, entente completamente como o Bram Stoker foi inteligente por ter esse diário no livro, criando o monstro invisível na cabeça das pessoas."

Dastmalchian, conhecido por viver personagens bizarros e se sentir em casa em filmes como esse, era o oposto. Quando ele ouviu sobre A Última Viagem do Deméter, fez de tudo para participar. "Eu li Drácula de Bram Stoker várias vezes na minha vida, primeiro como um jovem quando ele virou um dos meus livros favoritos. O capítulo da jornada do Deméter, do diário do capitão, sempre foi algo que eu quis ajudar a trazer pra telona. Era uma história que parecia Tubarão, ou Alien num barco nos anos 1800. É um conto tão fascinante e assustador, então isso morou no meu coração e eu sempre quis tentar descobrir como adaptá-lo para o cinema ou TV," ele nos disse, falando com o fervor de alguém claramente apaixonado pelo texto. "Quando eu descobri que esse filme ia ser feito, eu lutei com tudo para fazer parte dele."

Agora, o sonho de Dastmalchian se realizou. Drácula: A Última Viagem do Deméter está em cartaz nos cinemas.