Cannes: R.M.N - Crítica do Chippu

Cannes: R.M.N - Crítica do Chippu

Cristian Mingiu dirige profunda história de xenofobia com frieza e calculismo brutais

Guilherme Jacobs
22 de maio de 2022 - 6 min leitura
Notícias

A melhor palavra para descrever R.M.N, o novo filme do cirúrgico cineasta romeno Cristian Mingiu, é profundo. Suas cenas são repletas de camadas visuais, convidando a audiência a deixar seus olhos passeando pelo cenário enquanto novos detalhes são descobertos, sua trama, simples em essência, é uma flor venenosa lentamente se abrindo e revelando um fruto perigoso no interior. Este é o tema da obra - xenofobia, racismo e preconceito entranhados na veia do povo da Romênia. Mingiu retrata sua terra natal com o pessimismo de alguém que parece ter desistido, então ele nos mostra como uma pessoa chega nesse momento.


R.M.N segue dois personagens ligados por uma relação sexual mas opostos em ambas propostas e execução. Matthias (Marin Grigore) está retornando para o país depois de ter atacado um colega de trabalho alemão por causa de um xingamento ofensivo e, no contexto do longa, irônico. Ele volta para casa. Emocionalmente, contudo, ele nunca esteve tão longe de qualquer tipo de intimidade com sua esposa (Macrina Barladeanu) e seu filho, Rudi (Mark Edward Blenyesi). A distância entre o pai e o garoto só aumenta quando, depois de ver algo assustador na floresta entre sua casa e a escola, o menino perde a capacidade de falar. Por isso, Matthias busca consolo na cama de Csilla (Judith State), chefe da padaria local e recém divorciada.


A padaria é uma das únicas fontes de emprego na cidade, nunca nomeada, onde os acontecimentos de R.M.N se passam. Csilla, nascida na Hungria, porém, não consegue atrair os locais porque o salário mínimo não é suficiente para convencê-los a abandonar o suporte do governo e colocar as mãos na obra. Quem realmente precisa de dinheiro deixa o país, especialmente durante o Natal e Ano Novo, quando nações vizinhas precisam de mais empregados na temporada de turismo e compras. Mingiu retrata a natureza moribunda da cidade ao cercá-la com elementos de natureza morta em alguns enquadramentos compostos com beleza fria pela fotografia de Tudor Vladimir Panduru. Mathias, Csilla e os outros habitantes são postos contra uma mina abandonada, agora um buraco simbolizando a queda econômica e moral do local, uma floresta de árvores com galhos secos durante o inverno, ou mesmo entre folhas que delas caíram, agora levadas pelo vento para o esquecimento. Mais de uma vez, as montanhas ao redor deles parecem estar os empurrando para baixo, enterrando o que sobrou.


Esse isolamento não é acidental. Apesar de não quererem os empregos na padaria, os habitantes locais são totalmente opostos à contratação de três imigrantes (legalmente documentados) do Sri Lanka. Estes forasteiros, dizem os romenos, vão roubar as poucas vagas disponíveis, trazer novos vírus e, mesmo que sejam católicos, acabar com suas missas. Demora um pouco para a história engatar, mas quando Mingiu termina de mover as peças do seu tabuleiro e começa a derrubá-las, somos calculadamente levados até um check mate brutal, pontuado e, é preciso repetir, profundo.


Isso porque Mingiu não vê o problema da xenofobia de forma superficial. Ele encontra no povo contradições ironicamente deprimentes - como húngaros residentes da Romênia a favor da presença dos imigrantes mas contra serem comparados com ciganos. Mingiu reforça a variedade de pontos de vistas com legendas em cores diferentes para os vários pontos de vista, e assim percebemos quão monumental é a hipocrisia e maldade presentes em tela. Mesmo que os cingaleses fiquem, o problema estará longe de resolvido. Essa realidade é engrandecida na cena mais poderosa da obra, um debate entre os lados opostos da questão que dura 17 minutos sem cortes e tem mais de 20 falantes, todos simultaneamente parte do coletivo mas com personalidade o suficiente para se destacarem.


Csilla, a única cidadã inteiramente na contramão desse preconceito, é a principal agente nesse bom combate. Matthias, porém, não é tão bem trabalhado. Mingiu dá a entender que sua mente está ocupada com outras questões - o filho traumatizado e o pai adoentado, duas tramas secundária mal desenvolvidas e apressadamente levadas até uma conclusão sem qualquer impacto emocional. Grigore, porém, atua com a dose certa de silêncio para se transformar numa espécie de guia e nos levar por essas ruas cinzentas até o coração da narrativa, presente nos esforços de Csilla, encaminhada por State até o limite, quando as forças se vão e compreendemos o negativismo de Mingiu. As raízes podres estão congeladas.


4/5

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