Sundance: Convidativa comédia Fremont é elevada por Jeremy Allen White de O Urso - Crítica do Chippu
Anaita Wali Zada interpreta imigrante afegã no belo, quieto e divertido filme de Babak Jalali
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FESTIVAL DE SUNDANCE: Inspirado pela filmografia de Jim Jarmusch, Fremont opera constantemente em volume moderado. Retratando a vida da jovem e curiosa imigrante afegã Donya (Anaita Wali Zada) na Califórnia em belo preto-e-branco, o diretor iraniano Babak Jalali explora o ritmo monótono, mas convidativo do cotidiano de alguém entendendo não só quem eles querem ser num novo mundo, mas primeiro quem eles são autorizados a ser. Donya era tradutora para as tropas americanas em seu país de origem, o que lhe deu um passaporte para morar nos Estados Unidos (e fez talibãs taxá-la de traidora), na cidade de Fremont, onde ela não consegue escapar da memória de sua casa.
Como ela conta para seu terapeuta, Dr. Anthony (o hilário Gregg Turkington como um profissional que tenta solucionar tudo através de lições do conto Caninos Brancos), Donya vê afegãos assim que acorda, e logo antes de ir dormir. Bom, essa segunda parte é uma mentira. Ela sofre de insônia crônica, e normalmente usa as madrugadas para conversar com vizinhos (afegãos, claro) sobre sua vida e necessidades. Apesar de quieta, ela não tem medo de falar exatamente o que pensa, e grande parte do humor dessa leve comédia vem na maneira com a qual os coadjuvantes respondem essa honestidade constrangedora. Uma sequência em particular, onde ela tenta conseguir a consulta com Dr. Anthony, é o mais próximo de uma risada em alto e bom som que Fremont alcança.
Na maior parte do tempo, Fremont se mantém numa espécie de meio termo entre o cinema contemplativo e algo mais tradicionalmente cômico. A abordagem se adequa tanto ao interesse principal de Jalali com a história — o poder dos acontecimentos corriqueiros de engatilhar pequenas, mas significativas mudanças — e com a atuação interior e precisa de Wali Zada, cujo trabalho adiciona camadas de sugestão a cada ação, olhar e fala de Donya, e deixa atitudes outrora mundanas quase chocantes.
A primeira quebra relevante de rotina para Donya é a terapia com Dr. Anthony, onde o tratamento parece partir quase inteiramente dela para ela, mas a segunda é, talvez, a mais poderosa. Donya trabalha numa fábrica de biscoitos da sorte chineses, e é eventualmente promovida para a posição de escritora das vagas frases motivacionais que os acompanham. Seu terapeuta a encoraja a explorar seus sentimentos através da escrita, mas ela acaba aproveitando a chance para se divertir e começa a escrever uma espécie de horóscopo, algo rejeitado por seu chefe mas aprovado de forma unânime pelos leitores.
Fremont dá pistas, através dessa decisão, de uma possível libertação para Donya, cuja insônia e ansiedades se resumem à dificuldade de se permitir ser feliz e amar em um novo ambiente quando em sua terra natal ainda há tanto sofrimento e morte, algo inesquecível graças aos rostos de sua vizinhança. Esse dilema não é explorado a fundo pelo roteiro de Jalali e Carolina Cavalli, mas a atriz principal faz um bom trabalho de enriquecer os pensamentos e conclusões da personagem com as mais leves mudanças de expressão facial e postura.
A atuação dela (e o filme) melhora ainda mais nos últimos 20 minutos, quando Fremont apresenta Daniel (Jeremy Allen White, com o mesmo charme de O Urso), um mecânico claramente interessado na garota, ainda que ela continue resistente à ideia. Atraente de um jeito estranho, ele começa a quebrar algumas dessas barreiras. A química silenciosa entre os dois atores é essencial em justificar e ditar esse relacionamento, e Allen White imediatamente demanda atenção da câmera, um pedido respondido por Jalali rapidamente através do destaque para o rosto marcante do ator em diversas cenas. Entretanto, ele nunca chega a tirar o filme das mãos de sua colega. Pelo contrário, o chef de O Urso levanta a bola para Anaita Wali Zada, que, quietinha e na dela, mata no peito e domina.
3.5/5