França e o Labirinto: Selton Mello e Jovem Nerd se unem para divertido podcast narrativo
Tocando os hits de histórias de noir e com rica produção sonora, série do Spotify estreia em 29 de agosto
Notícias
Numa noite chuvosa, um detetive particular — longe dos seus dias de glórias mas sempre próximo a uma bebida — sai de casa sozinho e vai para uma cena do crime. Lá, ele reencontra antigos parceiros e um novo cadáver, que graças a algumas pistas no mínimo curiosas, sugerem uma conexão assustadora com um antigo criminoso. Qualquer pessoa familiarizada com histórias noir reconhecerá essa preparação, a diferença é que em França e o Labirinto, nem você, nem o protagonista, vê nada.
O podcast narrativo produzido pelo Jovem Nerd e pela Nonsense Creations e estrelado por Selton Mello, que estreia no Spotify em 29 de agosto, está firme e forte nos elementos clássicos de histórias de detetives presentes na literatura e cinema há décadas e décadas. Nelson França, personagem interpretado por Mello, ficaria confortável ao lado de Dick Tracy, Lemmy Caution ou qualquer personagem de Humphrey Bogart, mas se a trama, pelo menos num primeiro momento, parece tocar os hits, o formato confere à produção um poder curioso.
Ao longo dos primeiros minutos de França e o Labirinto fica claro que o personagem de Mello é cego. Bom, não inteiramente cego, mas para todos os efeitos, um acidente tirou sua visão. Ele agora navega por São Paulo com um cajado e a ajuda de um cão-guia, e essa simples decisão de história se mostra valiosíssima na hora de transportar o ouvinte para o universo do personagem, já que assim como ele, dependemos apenas do que ouvimos para entender e interpretar os acontecimentos ao nosso redor.
Com a ajuda de um trabalho riquíssimo de produção sonora, esses arredores se torna palpável. Como a maior parte das áudiosséries modernas, França e o Labirinto às vezes usa os efeitos de som com perfeição demais, quase no nível de um trovão estourando logo após um personagem comentar sobre o clima — uma herança das velhas produções de rádio americanas. Felizmente, a experiência da dupla Alexandre Ottoni e Deive Pazos, mais conhecidos como Jovem Nerd e Azaghal, está ali para conferir naturalidade e textura ao procedimento como um todo. Cada cena recebe a devida atenção. Dos capítulos que ouvimos, a melhor delas envolve uma revolta numa prisão, quando a ausência de imagens e o cuidado com os sons nos deixam tão apreensivos e indefesos quanto França.
Não é difícil formar uma imagem completa dos momentos pelos quais o detetive passa em sua busca por respostas sobre o assassinato que inicia a narrativa, um que parece ter o mesmo modus operandi do infame Assassino do Labirinto. O criminoso foi capturado por ele há décadas, e que, até onde se sabe, continua apodrecendo numa sela de prisão. Como qualquer mistério, os detalhes e reviravoltas precisam ser guardados a sete chaves, então não iremos entrar em spoilers. Por outro lado, vale perguntar o quanto a série está tentando esconder.
É difícil criticar França e o Labirinto pelo quão óbvias são algumas pistas do que virá a seguir. Estamos escutando o podcast com quase um século de histórias noir em nossa bagagem, e mesmo com os olhos vendados temos ouvidos aguçados o suficiente para identificar o que foi plantado para depois ser colhido. Um certo diálogo antes mesmo de França descobrir os detalhes do assassinato em questão deixa bem claro para onde as coisas estão indo, e esse tipo de movimento é perigoso particularmente porque o protagonista parece alheio a tudo.
É uma das cenas que parece revelar a falta de sutileza no roteiro de Leonel Caldela e Fábio Yabu, mas também há propósitos na ideia. Nelson França, claro, não é mais o mesmo. Sua arrogância e preguiça oferecem uma ótima justificativa para que a audiência se sinta à frente do personagem. É um risco, e alguém pode se desanimar por sentir-se sempre um passo à frente da história, mas o roteiro parece saber disso e de certa forma até brinca com nossas expectativas com o gênero, não tanto brincando com os clichês mas os apresentando com a ciência de que, sim, esses são clichês.
Clichês, aliás, não significam algo necessariamente ruim. Talvez o formato diferenciado de um podcast ajude França e o Labirinto a se safar com coisas que, num filme ou série, seriam mais danosas, mas quem curte clássicos policiais sentirá vontade de maratonar e vai se divertir quando a investigação chega em propostas clássicas como a descoberta de uma conspiração ou quando nosso herói se vê sozinho porque ninguém mais acredita nele. Nelson França pode ser cego, mas muitas vezes enxerga mais que todos.
Para isso, o trabalho de Selton Mello é essencial. Veterano da atuação e dublagem, ele não parece em nada um estreante no formato de podcast narrativo, ainda que algumas de suas falas contenham uma grande dose de exposição. Ele equilibra com facilidade os defeitos de alguém que irrita seus amigos e colegas, assim como o charme que impede que estes o abandonem por completo. Luiz Carlos Persy, Maíra Góes e Jorge Lucas completam o elenco com muita competência, e aprofundam seus papéis para auxiliar na construção de tensão e humor, mantendo-nos presos e esperando por mais.
Ainda veremos o quanto França e o Labirinto se aproveita desse bom início. O ineditismo e elenco nos ajudam a esquecer de como a história faz, até então, só o feijão com arroz do noir. Quantos novos tons serão tocados ao longo dos próximos 10 episódios? Uma coisa é certa, à primeira ouvida, a série se mostra ciente de seu formato e do potencial inerente ao áudio, encontrando maneiras inteligentes de aproveitar sua existência como podcast para, especialmente aliada a um bom equipamento de sons, ser experiência transportadora.