EXCLUSIVO: Roteiristas fortalecem greve após ouvirem de executivos que “têm sorte de terem empregos”
Conversamos com dois roteiristas sobre as paralisações, a resposta dos estúdios e como eles estão se sentindo
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A greve dos roteiristas completou uma semana nesta terça-feira (9), e os primeiros sete dias foram marcados por diversas paralisações, protestos e uma atmosfera de incerteza. Depois da resposta negativa da AMPTP (Aliança de Produtores de Cinema e Televisão), ficou claro como a diferença entre o que o sindicato dos roteiristas (WGA) quer e o que os estúdios estão dispostos a oferecer é gigante. Não há vislumbres de um acordo. O fim não está chegando.
Mas, olhando para as redes sociais, os roteiristas parecem confiantes. O clima nas contas da WGA e nos vídeos realizados nos protestos é de alegria e companheirismo. Como uma boa história, então, essa greve é marcada por altos e baixos emocionais. Há frustrações, vitórias, reviravoltas, novos obstáculos e humanidade. O Chippu entrevistou dois roteiristas, um em Hollywood e um em Nova York, para saber mais sobre suas experiências na última semana, sobre como eles estão se sentindo (spoiler: um está nervosíssimo, o outro mais tranquilo) e sobre como essa greve se diferencia da última, realizada em 2007.
"Pessoalmente, eu estou enlouquecendo."
Drew McWeeny, que escreveu e narrou um dos episódios da série documental A Ótica do Cinema, produzida por David Fincher na Netflix, tinha deixado de vez a indústria em 2022. Após anos trabalhando em filmes, séries e como jornalista e crítico (Drew é um dos veteranos do lendário Ain't it Cool News), ele parecia olhar para Hollywood e Los Angeles no retrovisor. Então, nas palavras de Michael Corleone, ele foi puxado de volta. "Eu fui tirado da aposentadoria por uma oportunidade irresistível. Essa greve pode matar essa coisa de vez, mas eu preciso olhar além disso para ver o todo. Esse é um momento existencial para nossa indústria e para os roteiristas conseguirem se sustentar," ele diz. "Eu estava na última greve, e é por isso que essa me deixa tão nervoso. Eu estava na ascensão em 2007, escrevendo até o último minuto quando a greve começou. Foi uma greve brutal pra nós, e vários acordos morreram. Também foi importante pra alcançarmos um bom progresso pros roteiristas. Se a greve de 2007 me convenceu de algo, foi que as greves realmente funcionam, e que elas são difíceis e dolorosas para todos."
Do outro lado do país, Mike Drucker, que já escreveu parece estar mais tranquilo. "Eu acho que o clima está bom. É claro que ninguém está feliz pela greve e queremos voltar ao trabalho o mais rápido possível, mas há muito otimismo, especialmente depois que recebemos o apoio público de tantos outros sindicatos," Drucker, que escreve para o Tonight Show starring Jimmy Fallon, nos disse. "Esse tipo de apoio ajudou muito com a moral. "Mesmo como alguém que está constantemente preocupado ou pronto para entrar em pânico, eu estou me sentindo confiante com essa greve. Tendo dito isso, eu gostaria de conseguir um acordo justo e voltar ao trabalho!"
Talvez o otimismo de Drucker seja porque ele não estava presente na última greve, mas uma coisa que não parece ter abalado nenhum dos dois foi a resposta da AMPTP, que simplesmente negou muitas demandas da WGA sem oferecer uma contraproposta. Para ambos, isso só fortaleceu a determinação da categoria. "Está claro que o AMPTP não acredita que somos adultos que entendem nossa indústria ou parceiros criativos dignos de respeito. A resposta deles nõa poderia ter deixado isso mais claro," McWeeny disse. "Carol Lombardini [presidente da AMPTP] disse durante as negociações que 'roteiristas têm sorte de ter um emprego fixo' e eu acho que ela não entende como isso vai virar um grito de guerra. Ela só deixou nossa certeza mais firme."
No mesmo tom, Drucker disse que a declaração dos estúdios "deixa ainda mais claro que estamos fazendo a coisa certa. Se eles vão fingir que não conseguem escutar nossos pedidos, nós vamos ajudá-los gritando mais alto," Admitindo que sentiu que o AMPTP nem tentou negociar, Drucker diz que há uma grande diferença entre dizer "não" durante negociações e nem responder.
Entre as demandas rejeitadas pela AMPTP está a regulamentação de inteligência artificial e ferramentas como o ChatGPT, reformas nas salas de roteiristas para televisão e uma nova taxa de pagamentos residuais para produções feitas para serviços de streaming (para saber mais, incluindo o que acontece agora, clique aqui). Nem McWeeny, nem Drucker, parecem ter apenas um desses pontos de debate em mente quando falam, mas ambos têm paixões fortes por diferentes aspectos dos tópicos.
"Eu adoraria consertar o sistema de pagamentos residuais e mínimos em plataformas de streaming," diz Drucker. "Mas, em termos de qual é o principal problema para o futuro, eu estou muito preocupado com as salas de roteiristas curtas e roteiristas não recebendo experiência no set. Estamos essencialmente deixando roteiristas experientes mal remunerados, e roteiristas inexperientes não podem crescer participando do set e aprendendo os caminhos da produção."
McWeeny, que tem mais experiência no cinema, vê esse lado da indústria como "pior do que nunca," e relaciona isso com televisão. "Agora que estou trabalhando em TV, ficou claro que os executivos no comando não estão ouvindo as pessoas que realmente fazem o trabalho, e o resultado disso é o desmontar de um sistema necessário." Falando sobre as salas de roteiristas curtas levantadas por Drucker, ele disse que se isso continuar, "vamos matar o caminho pelo qual as pessoas aprendem a fazer séries de TV. Os estúdios podem continuar assim, mas em uma década, ninguém mais saberá fazer séries. E aí?" Para McWeeny, a greve pode impedir a televisão de seguir o caminho dos longas-metragens.
Está claro que há muito em jogo, e razões para estar nervoso. Combatendo isso está o apoio de outros sindicatos como IATSE, sindicato dos empregados de palco, e Teamsters, sindicato de motoristas de caminhão e outros veículos, que frequentemente se recusam a cruzar a linha de protesto dos roteiristas em apoio à greve e forçam produções a suspender suas atividades. Não faltam histórias no Twitter sobre membros dessas categorias e até pessoas comuns oferecendo suporte, comida e solidariedade aos membros do WGA.
"Não há uma indústria nos EUA que não foi afetada por esse modelo econômico parasita, e eu acho que todos estão acordando e percebendo que a única força que temos é como trabalhadores organizados," McWeeny disse. Ele não esteve nos protestos ainda, mas planeja participar com regularidade no próximo mês. Os protestos são, apesar da seriedade da situação, uma oportunidade para reencontrar amigos. McWeeny está animado para "as conversas e conexões que acontecem nesse tipo de evento," e Drucker tem se animado com os reencontros de colegas. "Escrever é um esporte em equipe," ele disse. "Houve um momento em particular quando estávamos protestando no Silvercup Studios em Nova York, e outro sindicato chegou e marchou conosco por 15 minutos em solidariedade. Soa como algo pequeno, mas eu estava comemorando como quando derrubaram os alienígenas no Independence Day."
"Eu acho que estamos no precipício de todo trabalhador assalariado nesse país se levantar em união contra práticas injustas. Eles [os estúdios] precisam de nós mais do que precisamos deles. No fim das contas, um algorítimo pode fazer o trabalho de David Zaslav, mas nunca poderá fazer o nosso," concluiu McWeeny.