Guardiões da Galáxia sempre foi sobre Rocket (e sobre James Gunn)
Com fim da trilogia na Marvel, James Gunn encerra o arco de seu personagem favorito, e cresce com ele
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O texto abaixo contém spoilers dos três filmes de Guardiões da Galáxia.
"Sempre foi sua história. Você só não sabia."
A frase acima é dita por Lylla (Linda Cardellini, agora uma das únicas atrizes com mais de um papel no MCU) para Rocket (Bradley Cooper) quando este ganha a oportunidade de se reunir a seus amigos do lote 89 de experimentos conduzidos pelo terrível Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji) na eternidade. Ela poderia, também, ter vindo da boca do próprio James Gunn.
O diretor e roteirista dos três volumes de Guardiões da Galáxia e do aguardado Superman: Legacy tem sido vocal em seu carinho pelo guaxinim espacial da Marvel. "A história de Rocket é minha história," Gunn disse recentemente num tweet. Se você revisitou os dois filmes anteriores em preparação para o final da trilogia antes de sua estreia no começo de maio, então provavelmente chegou a essa conclusão antes mesmo de assistir ao Vol. 3 e cair em lágrimas com a história de origem e quase morte do personagem, efetivamente transformando-o no protagonista da história pela primeira vez.
De fato. Sempre foi sobre Rocket. Há vislumbres no primeiro Guardiões da Galáxia — as cicatrizes, o carinho feito por Drax (Dave Bautista) — mas dá pra praticamente sentir Gunn se apaixonando mais por Rocket na continuação, e aos poucos o diretor vai deixando isso claro. Até que ele decide encerrar assim:
Talvez nem Gunn tenha percebido isso no começo, mas ao fim de Guardiões da Galáxia Vol. 2, seu interesse e cuidado com ele já estavam visíveis. Por mais que o Peter Quill de Chris Pratt tenha sido o foco da trama de pai-e-filho com Ego (Kurt Russell), Gunn conclui o filme, na emocionante sequência do funeral de Yondu (Michael Rooker) com um close no rosto de Rocket que reflete nossa emoção enquanto vemos os fogos de artifícios e ouvimos "Father and Son" de Cat Stevens.
No Vol. 2, a história de Rocket tentando se distanciar de seus novos amigos com sua raiva é contraposta com o sentimento de perda pela morte de Yondu. Ele foi o pai adotivo de Quill, o melhor amigo de Kraglin (Sean Gunn), mas seu tempo com Rocket parece ter apresentado para o guardião da galáxia mais peludo um caminho para ter uma nova família. Não à toa, no funeral, ele é o mais feliz pela chegada dos Saqueadores, o mais reflexivo, e o mais emocionado com o espetáculo. Seu close, em silêncio, já deixava claro como seria Guardiões da Galáxia Vol. 3.
Guardiões da Galáxia começou com James Gunn celebrando os estranhos, os excluídos, os perdedores. Se vendo como um deles, Gunn se sentia em casa nos cantos menos conhecidos do MCU, longe no espaço e abraçando os personagens mais bizarros possíveis. Esse amor se traduziu nos filmes. É possível que poucos fãs da Marvel listem um dos Guardiões como seu herói favorito, mas é difícil encontrar figuras desse universo com quem geramos mais ligações emocionais do que os membros desse grupo, e dentro dele, nenhum deixa tão claro os interesses do diretor quanto Rocket.
Sim, todos os Guardiões vêm de passados trágicos. Mais de um deles representa o que pode ser o último membro de sua espécie, e mais de um passou por tortura nas mãos de uma figura paterna maléfica em sua juventude. Rocket, porém, tem algo único. Como descobrimos em Guardiões da Galáxia Vol. 3, as tentativas de mudança impostas pelo Alto Evolucionário, mais do que Thanos forçando Nebulosa (Karen Gillen) e Gamora (Zoe Saldaña) a virarem assassinas de ponta, foram fruto de um desprezo pelo ser de Rocket em sua essência. Ele, seja como guaxinim, seja como mutante, era visto como algo nojento e quebrado.
Essa é uma opinião comum quando se trata de pessoas diferentes, mas o arco de Rocket oferece a Gunn a chance de tornar essa ideia literal e celebrar mais do que nunca as diferenças dessas pessoas. Assim, os dois se aliam. A frase de Gunn não é só um romance pelo personagem. Enquanto Rocket avança como personagem, encarando seus traumas e vencendo a batalha de sua vida, Gunn evolui como homem e cineasta
James Gunn é uma figura curiosa. Imaginá-lo como diretor de alguns dos maiores blockbusters da Marvel (e por tabela, Disney) só não é mais surpreendente do que imaginá-lo como chefão do DC Studios. Gunn, até 2014, era mais associado com exploitation, criando histórias sobre monstros alienígenas e pornografia. Seu envolvimento com super-heróis era apenas para parodiá-los. Nessas obras, muitas vezes, era possível enxergar a acidez de alguém que se via como indesejado, perpetuamente olhando o clube das crianças populares de fora pra dentro. Com Guardiões da Galáxia, ele entrou numa trajetória que não só abriu portas, como o colocou no centro das atenções.
Talvez por isso os filmes de Guardiões da Galáxia tenham caminhado cada vez mais em direção ao emocional. O terceiro longa-metragem é o mais sombrio, mas ele é também o mais honesto. Gunn não se apoia mais tanto em piadas para comunicar as temáticas, medos e desejos de seus personagens, e não tem medo de colocar os sentimentos (incluindo os seus) visíveis para todos. Ele poderia ter aproveitado o sucesso para se jogar em seus piores instintos, exercendo uma espécie de vingança, mas Gunn continuou celebrando quem está fora do padrão. O que mudou foi o tom disso. O sarcasmo deu espaço à aceitação. A raiva à alegria.
Essa, de fato, sempre foi a história de Rocket.