Horizon, An American Saga - Parte 1 é um desastre com grandes ambições
Faroeste dirigido e estrelado por Kevin Costner é tão superficial quanto é extenso
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Muito se falou sobre o risco tomado por Francis Ford Coppola ao financiar Megalopolis com seu próprio dinheiro e buscar distribuição para um filme tão arriscado e ousado. Mas se há um projeto no Festival de Cannes 2024 que merece ser recebido com olhar preocupado é o desastroso Horizon, An American Saga. Kevin Costner não bancou toda a produção, mas vendeu uma mansão para ajudar a colocar seu projeto dos sonhos pra frente. Diretor, roteirista, produtor e astro deste faroeste de fronteira, ele ainda quer fazer mais três partes (a segunda já vem este ano).
Claro, por ser feito por um dos grandes astros americanos ainda em atividade, alguém particularmente popular com uma audiência conservadora que fez Yellowstone virar a maior série dos Estados Unidos — pelo menos até seu futuro ficar em cheque com a saída de Costner — Horizon tem perspectivas financeiras um pouco mais confiáveis (ainda estamos falando de dramas de 3 horas de duração), mas a julgar pela execução da primeira parte, os méritos artísticos dessa saga americana não serão muitos. Devagar, superficial, confuso e oposto à ideia de entregar qualquer espécie de ritmo, personagem ou sequência cativante, An American Saga começa como um amontoado de clichês que retorna para o passado do gênero de faroeste na abordagem temática, mas sem a qualidade da era de outro dos bangue-bangues.
Situado na época da Guerra Civil americana, Horizon dispensa uma estrutura convencional em favor de uma narrativa solta com muitos (muitos) personagens. Costner interpreta Hayes Ellison, um cowboy que cruza o caminho de Marigold (Abbey Lee) e decide ajudá-la para que Costner tenha um romance com uma linda atriz mais jovem. Quer dizer, para mostrar que Hayes tem um coração de ouro. Caçando a mulher, por motivos nunca explicados, estão os irmãos Junior (Jon Beavers) e Caleb Sykes (Jamie Campbell Bower).
Em paralelo, depois que um grupo de nativo-americanos incendeia sua cidadezinha, Frances (Sienna Miller) e sua filha precisam fugir e são resgatas por um braço do exército da união liderado por Sam Worthington e Michael Rooker nos papéis do Tenente Trent Gephardt e Sargento Major Riordan, respectivamente. O último dos núcleos principais acompanha a caravana liderada por Matthew Van Weyden (Luke Wilson), onde estão a família pobre de Owen Kittredge (Will Patton) e sua filha Diamond (Isabelle Fuhrman), e o rico casal Proctor, composto por Hugh (Tom Payne) e Juliette (Ella Hunt), fontes de algumas das mais óbvias piadas possíveis.
Se a avalanche de nomes dos últimos parágrafos te deixou confuso, entre no clube. Horizon, para seu crédito, tem um elenco vasto e um escopo ainda maior com os quais Costner pinta um dos mais amplos quadros do velho-oeste americano, deixando de lado a ideia de protagonismo (pelo menos em teoria) e linearidade em favor de um mosaico. Horizon não traça um começo, meio e fim para seus personagens. Fica a impressão de que Costner quer apenas encenar vidas em curso, entrando e saindo de cada uma sem cerimônia. Quer intencional ou não, a proposta de fato amplia o alcance da produção e dá um quê de naturalidade muito bem-vindo para o filme.
O problema é que, depois de esticar a moldura ao máximo, Costner preenche o interior do quadro com rabiscos. A sugestão de que veremos pessoas normais vivendo nos anos 1800 é cortada pela unidimensionalidade desses personagens, que na melhor das hipóteses são arquétipos, e na pior, funções a serem cumpridas. Precisamos de alguém no exército! Check. Precisamos de uma criança! Check. Precisamos de um vilão exagerado para Costner matar! Check.
Alguns casos são piores que outros. Os nativo-americanos ganham a menor parcela do desenvolvimento e a maior dos estereótipos, sendo apresentados ou como selvagens violentos ou como coadjuvantes silenciosos. Atores como Lee e Campbell Bower até lutam contra essa simplificação, embutindo suas cenas com carisma e energia. É mais do que podemos dizer do próprio Costner, que parece acreditar que sua herança como ícone cinematográfico basta para nos deixar interessados nele. Ele não está totalmente errado — ainda há um simbolismo forte nas suas entradas, ou quando ele puxa e dispara uma arma — mas os traços de personalidade Hayes em teoria, devia ter, são anulados pela atuação preguiçosa do astro.
Semelhante aos vários protagonistas, a concepção do mundo de Horizon, favorecida pela escala imensa do projeto, é gravemente prejudicada por escolhas diretoriais. A começar pela fotografia digital que remove qualquer textura, poeira e credibilidade do oeste aqui reconstruído. As imagens ultra cristalinas deixam a obra com um ar de artificialidade, potencializado pelos enquadramentos nada sutis de Costner, como se estivéssemos assistindo a uma recriação das histórias do faroeste americano, e não visitando o passado. Era melhor ter pago para ir a Westworld.
O primeiro capítulo de Horizon, An American Saga se encerra, depois de uma batalha anticlimática com sobreviventes do incêndio massacrando mulheres e adolescentes nativo-americanos em nome de vingança, com uma longa prévia da Parte 2. Um trailer nos mostra as novas aventuras, romances e intrigas que nos aguardam no futuro, e sua última imagem é a de Giovanni Ribisi como, aparentemente, um antagonista. Ribisi, porém, sequer aparece na Parte 1, e nada é dito sobre essa figura. Costner, contudo, encerra o capítulo debutante de sua grande saga com um close longo no rosto dele, como se devêssemos ficar arrepiados pensando em sua chegada iminente.
Essa é a realidade de Horizon, An American Saga. O filme parece existir em outra dimensão. Talvez no Texas, Montana e na Flórida, o público responda com algum tipo de empolgação. Na minha sala, o close em Ribisi foi acompanhado de risadas nervosas. Como se alguém tivesse feito uma apresentação desastrosa e depois pausado para aplausos que nunca virão.