Sundance: Infinity Pool celebra e denuncia nosso apetite por espetáculos perversos

Sundance: Infinity Pool celebra e denuncia nosso apetite por espetáculos perversos

Reflexão sobre nosso desejo por espetáculos perturbadores, Infinity Pool de Brandon Cronenberg é o filme mais bizarro do Festival

Guilherme Jacobs
24 de janeiro de 2023 - 8 min leitura
Notícias

FESTIVAL DE SUNDANCE: De certa forma, Infinity Pool  é o filme para o qual o terror estava caminhando há alguns anos. A obsessão com hotéis, Airbnbs, viagens, “amigos de férias” e coisas do tipo está cada vez mais presente no gênero. Só ano passado vimos Speak No Evil  arruinar mentes e Noites Brutais  se tornar um dos grandes fenômenos de bilheteria, mas podemos traçar a origem desse conceito narrativo como algo assustador há décadas. É só olhar para O AlbergueO Iluminado, e, claro, Psicose.

Se passando na nação fictícia de La Tolqa, descrito pelos personagens como um país não civilizado onde turistas estarão em perigo se andarem fora da área dos resorts, o filme de Brandon Cronenberg parece uma reação tanto à nossa insistência em situar histórias de morte e medo em ambientes com propósito de nos receber, quanto à cultura fissurada em férias de luxo que gerou The White Lotus e afins. Aqui, as ideias perturbadoras se tornam um espetáculo hedonista. Os hóspedes desse all-inclusive se divertem como fãs de horror; se deleitando no derramar de sangue e nas reviravoltas sombrias, insistindo em permanecer mais e mais tempo neste lugar, pois ele não só justifica suas desejos mais desgraçados, como até os encoraja.

O principal representante da audiência é James (Alexander Skarsgard, firme em sua jornada autodepreciativa que inclui, entre outros papéis, Atlanta, O Homem do Norte e Big Little Lies). Um escritor com bloqueio criativo desde o lançamento do seu primeiro livro há seis anos, James parte para esse suposto paraíso com sua esposa Em (Cleopatra Coleman) em busca de inspiração. Após alguns dias de tédio, seu interesse é despertado pelo casal formado por Alban (Jalil Lespert) e pela fascinante Gabi (Mia Goth, ainda mais intensa do que em Pearl). Eles o chamam para passar um dia do lado de fora da cerca e lá, James vê beleza e pobreza, bebe, come e, com direito a um close no pênis ejaculando, é masturbado por uma mulher (não necessariamente a sua). O momento de mais emoção, porém, vem no caminho de volta, quando em meio à escuridão James, dirigindo bêbado, atropela um fazendeiro local. A vítima morre instantaneamente.

É então que James e Em descobrem o quão “não civilizado” é o país onde estão. A pena para matar alguém, mesmo acidentalmente, é a morte pelas mãos do filho mais velho da vítima. Felizmente, há uma saída

Caso você tenha dinheiro suficiente, você paga o governo de La Tolqa para lhe clonar, criando um clone idêntico com suas memórias, e assiste enquanto esse duplo é executado de forma violenta. Para a sorte de James, a família de Em é riquíssima, e após uma arrebatadora sequência visual que não nos mostra como exatamente a clonagem acontece mas revela a sensação confusa e estranhamente prazerosa de passar pelo processo, os dois observam à morte do novo James, esfaqueado dezenas de vezes na barriga por um adolescente. É aí, então, que James se inspira.

James e Em voltam para o hotel, e enquanto ela está pronta para ir pra casa, seu marido parece ter adquirido um gosto pela ideia de poder cometer qualquer ato brutal e escapar simplesmente passando um pix. Para a surpresa de ninguém, Alban e Gabi parecem conhecer uma ou duas coisas sobre como aproveitar esse segredo deturpado, e estão mais do que dispostos a apresentar James às inúmeras possibilidades levantadas pela clonagem. A personagem de Goth, em particular, se transforma numa espécie de guia turístico do prazer e dos piores impulsos possíveis, e a atriz se deleita em criar cada aspecto de uma mulher abastecida pela liberdade garantida através da imunidade à morte. Exagerando expressões faciais, sotaques e falas, Goth se torna uma presença gritante em tela sem nunca se tornar caricata. Pelo contrário, encontramos, em Goth, o que Infinity Pool pensa ser.

Quando Infinity Pool realmente enfia o pé no acelerador, isto é, após a primeira clonagem, partimos num verdadeiro itinerário de bizarrices, com James descobrindo a subcultura pela qual Cronenberg está claramente fascinado. Afinal de contas, como os hóspedes com dinheiro suficiente para pagar pela ressurreição, insistimos em testemunhar perversidades para nosso próprio entretenimento através de filmes como esses, e o diretor — filho de um dos grandes responsáveis por testar os limites desse gênero — praticamente admite sua participação na audiência (e, claro, na realização) desses shows de horrores. Como James, nossa criatividade é atiçada pelos sentimentos de opressão do terror, pela ideia de estarmos navegando em águas proibidas, vendo algo impróprio. E, como James, precisamos pagar por isso (de várias formas).

Mas após fazer sua grandiosa declaração, Cronenberg se mostra contente em se repetir. Vamos de um assalto para uma orgia, de um espancamento para uma perseguição, de um pesadelo para ouro, mas nunca chegamos num destino que eleva à narrativa às ambições maiores do diretor (ou à atuação de Goth). Se em seu trabalho anterior, o excelente Possessor, Cronenberg encontrou maneiras de aliar o arco de seus personagens às escolhas estéticas, deixando as ações e consequências da história tão impactantes quanto os visuais, aqui ele se faz satisfeito em reproduzir o argumento inicial múltiplas vezes, passando por várias situações de genialidade doentia, mas cujo gozo é passageiro e logo se dissolve. Se fosse intencional, isso seria uma forma de brincar com nosso desejo por mais e mais. Mas, eventualmente, fica claro que Infinity Pool está secando.

Mesmo quando isso acontece, nosso envolvimento permanece graças à Goth e Skarsgard, cujo talento para viver homens rasos e desesperados para achar significado é bem aplicado pelo diretor, e pelas composições criadas por Cronenberg junto ao diretor de fotografia Karim Hussain. Ainda sim, como turistas decepcionados quando a realidade não está à altura das fotos no Instagram, ficamos com a impressão de termos sido enganados. Chamar Infinity Pool de inofensivo é uma hipérbole, mas diante do quão inteligente é sua premissa e do quão investidos estão os principais membros do elenco, não é errado querer mais.

3.5/5

festival-de-sundance
infinity-pool
brandon-cronenberg
alexander-skarsgard
mia-goth
critica
cleopatra-coleman

Você pode gostar

titleCríticas

O Brutalista: Épico de Brady Corbet flutua entre majestoso e frustrante

Leia nossa crítica do longa de Brady Corbet com Adrien Brody

Guilherme Jacobs
28 de outubro de 2024 - 10 min leitura
titleFilmes e Cinema

Venom: A Última Rodada fecha a trilogia com um ensaio de comoção

Terceiro filme ainda aposta no escracho mas com exagerada timidez

Marcelo Hessel
24 de outubro de 2024 - 5 min leitura
titlePrime Video

Irmãos é comédia sem inspiração e um desperdício do talento de Josh Brolin e Peter Dinklage

Max Barbakow passa longe do sucesso de Palm Springs

Alexandre Almeida
18 de outubro de 2024 - 5 min leitura
titleFilmes e Cinema

Canina é o bom filme que Amy Adams buscava há anos, mas derrapa nas mil e uma explicações

Comédia dramática utiliza imagem da atriz sem medo do ridículo

Alexandre Almeida
11 de outubro de 2024 - 5 min leitura