Licorice Pizza - Crítica do Chippu

Licorice Pizza - Crítica do Chippu

Divertido e fácil de amar, filme reforça genialidade de Paul Thomas Anderson como um dos grandes diretores vivos

Guilherme Jacobs
10 de fevereiro de 2022 - 10 min leitura
Notícias

Todo mundo está correndo em Licorice Pizza, o novo filme do genial cineasta Paul Thomas Anderson. Gary Valentine (Cooper Hoffman), com 15 para 16 anos de idade, encontrou sucesso moderado como ator mirim e mal pode esperar para a vida adulta, investindo num negócio próprio de relações públicas ao lado da mãe, começando uma empresa de colchões d’água e até um arcade de pinball. Ele escuta oportunidades e corre atrás delas. Já Alane Kane (Alana Haim), ainda morando com os pais aos 25 anos, acelera o passo buscando os sonhos do passado de ser atriz, de se divertir e de curtir as luzes da Los Angeles de 1973, ano no qual a cidade sofreu por falta de gasolina. Não há momento melhor para usar as pernas.


PTA já comentou sobre o fascínio por ver pessoas correndo. Em seus filmes, há corridas atrás do amor perdido, do dinheiro, da liberdade, da vingança. Tom Cruise, um dos grandes corredores de Hollywood, é um dos seus atores favoritos. Aqui, ele constantemente coloca Hoffman e Haim para correr em diversas cenas.


Mas, apesar da pressa visual, Licorice Pizza mostra o cineasta desacelerando, encontrando sua casa, plantando raízes e curtindo a vida. Mais semelhante com Era Uma Vez em… Hollywood e Jovens, Loucos e Rebeldes do que com os espíritos perversos de Tesouro de Sierra Madre e das obras de Robert Altman - influências conhecidas de Anderson - seu novo longa mostra um amadurecimento surpreendente e bem-vindo sem nunca deixar para trás as qualidades brilhantes que o levaram ao topo de sua arte: ótima caracterização de personagens principais, uso preciso de atores em papéis coadjuvantes, um visual cheio de cores e texturas, excelentes escolhas musicais e um senso de domínio total.


Fantástico em todas as fases de sua carreira, PTA primeiro colocou para fora todas as influências artísticas e raciocínios emocionais de sua juventude através de Jogada de Risco, Boogie Nights, Magnólia e Embriagados de Amor, antes de voltar os olhos para grandes intérpretes do cinema moderno e tecer comentários consequentes sobre capitalismo, religião e o governo dos Estados Unidos com Sangue Negro, O Mestre e Vício Inerente. Este último, porém, revelou um interesse do cineasta em emoções humanas, num escopo menor mas não menos importante. Não à toa, Trama Fantasma veio logo depois, exaltando - ainda com o mesmo olhar afiado e ácido - o crescimento através de tribulações num casamento ou parceria. A transição de ideias para sistemas para relacionamentos se completa com Licorice Pizza.


Agora com 51 anos, um casamento firme e quatro filhos, PTA parece ter exorcizado os fantasmas do passado, a relação com o pai, as frustrações com o mundo, e se vê pronto para desfrutar do lado mais leve da vida. Licorice Pizza é, de longe, seu filme mais agradável, divertido e macio. Idiossincrático e específico demais para não ser baseado em fatos (Gary Valentine é levemente inspirado no produtor Gary Goetzman, amigo de Anderson e ex-ator mirim), este é um passeio por San Fernando Valley na década mais importante do cinema com duas figuras carismáticas e singulares em Hoffman e Haim, ambos fazendo sua estreia em longas-metragens com o conforto de veteranos.


Os dois são familiares com o entretenimento. Cooper é filho do grande Phillip Seymour Hoffman, astro de diversos filmes de Anderson. Haim é uma das três irmãs da banda HAIM, cujos clipes costumeiramente são dirigidos por PTA. Os pais e irmãs da jovem no filme, aliás, são mesmo seus pais e irmãs. Talvez todas essas conexões expliquem o aspecto familiar, caseiro, quase independente de Licorice Pizza. Sem dúvida, são fatores através dos quais ambos personagens se tornam tão ricos e adoráveis.


Gary é um adolescente tratado como adulto por todos. Seus conhecidos são levados pelo charme bobo e linguajar criativo a firmarem negócios com ele, seu irmão mais novo e amigos estão prontos para segui-lo em toda empreitada. Já Alana, uma adulta, ainda é vista como garota pelos outros. Homens de sucesso em Hollywood, como o ator Jack Holden (Sean Penn, claramente se inspirando em William Holden) e o produtor/cabeleireiro Jon Peters (Bradley Cooper) a enxergam como um rabo de saia para quase instintivamente flertar casualmente e abandonar, seus chefes (um deles vivido por Benny Safdie) pouco se importam com seus sentimentos, se é que os notam, e seu pai ainda lhe trata como criança. Só Gary a vê como adulta, só Alana o vê como adolescente. Talvez seja esse olhar honesto o culpado pela dinâmica romântica, ora adversária, ora cômica entre eles. Seu amor impossível, sua rivalidade lúdica, sua amizade leal. Tão inevitáveis quanto paradoxais.


Licorice Pizza examina os dois de forma diferente mas complementar. Para Alana, esta é uma história de crescimento, saindo da impressão de maturidade para a verdadeira vida adulta, na qual ideais superam diversão em importância. Se ela vê o fruto da maior idade se formando, Gary, por sua vez, está prestes a dar os primeiros passos na jornada, ainda ignorante de como o mundo não gira ao seu redor. Os dois atores, dotados de rostos com linhas e imperfeições mais realistas do que 99% do que é visto em filme (algo reforçado pela pouquíssima maquiagem aplicada neles), temperam cada cena da dupla, das fofas às extrovertidas, com honestidade e humanidade, desaparecendo em seus papéis não através da transformação física mas pela total entrega sentimental, pela sua própria vontade de estar com esses personagens. Isso, aliás, explode pelos cantos da tela do cinema. Filmado em 35mm, Licorice Pizza tem o ruído e contraste típicos de película, favorecendo closes e dando ao seu belíssimo visual um caráter de sonho. Ou melhor, de memória. A memória de Gary e Alana. De Hoffman e Haim. Eles estão relembrando. Vivendo novamente.


Essas memórias, sem dúvidas baseadas em Goetzman e no próprio Anderson, incluem encontros com nomes como os já mencionados Holden e Peters, ambos vividos de maneira hilária e exagerada por Penn e Cooper, que é especialmente sensacional nos seus poucos minutos caóticos em tela. Tom Waits, John Michael Higgins e Harriet Sansom Harris (dona da cena mais engraçada de todo o filme) recebem seus momentos como figuras memoráveis dessa aventura meio episódica. Todos eles parecem mais ícones e caricaturas do que humanos, afinal estamos os enxergando através da perspectiva jovem e curiosa dos protagonistas.


Mas, acima disso, vemos tudo pela visão de PTA. Atuando como diretor de fotografia ao lado de Michael Bauman, ele retorna à Califórnia da década de 70 (ambientação de Boogie Nights e Vício Inerente) com uma abordagem muito mais amigável e casual, mas com a mesma precisão de toda sua carreira. O posicionamento e movimento da câmera; O enquadramento e composição das cenas; A iluminação e as sombras; Tudo colabora na criação do mundo, da atmosfera, para que o diretor então - com a trilha sonora de Jonny Greenwood e uma seleção musical impecável - nos empurre em direção à total imersão. O resultado é semelhante e diferente dos seus outros trabalhos. Assim como O Mestre ou Sangue Negro, Licorice Pizza captura nossa mente, domina nossos sentidos, nos hiptoniza e transporta. Mas se ali queremos distância de Lancaster Dodd e Daniel H. Plainview, aqui queremos mais um pôr-do-sol correndo ao lado de Gary Valentine e Alana Kane.


Amar PTA, às vezes, parece difícil. Sua genialidade é gradativamente mais celebrada. Seus filmes, porém, nem sempre são as experiências mais fáceis. Aqui, não. É fácil amar Licorice Pizza.


5/5

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