Luca - Crítica do Chippu

Luca - Crítica do Chippu

Mágico em visuais e construção de mundo, novo filme da Pixar deixa a desejar na narrativa

Guilherme Jacobs
16 de junho de 2021 - 8 min leitura
Notícias

A Pixar está entrando numa nova fase. Enquanto boa parte dos primeiros projetos tendiam ir para o reino do fantástico - Vida de Inseto, Procurando Nemo - ou para aspectos da vida norte-americana (claro, ainda com pitadas de fantasia) - Carros, Os Incríveis, Up - desde a saída de John Lasseter, o estúdio, cujo projeto mais internacional em termos narrativos era Ratatouille, tem explorado mais vozes diferentes, o que fez surgir Viva - A Vida É Uma Festa e sua energia mexicana, Soul com o primeiro protagonista negro de seu catálogo e, agora, Luca, do italiano Enrico Casarosa.


Com isso, estamos vendo pessoas, locais, ideias, dramas e visuais novos. É uma oportunidade de ouro para um dos times mais criativos do cinema abrir suas asas em novas direções, levando sua famosa fórmula para ambientes inéditos e desconhecidos pela audiência em massa. Isso, entretanto, não remove o desafio de contar novas histórias e quebrar expectativas. Inovação narrativa ainda é importante. Luca existe no meio desses dois fatores - único em sua atmosfera e detalhes, mas sempre funcionando dentro da familiaridade, do conhecido.


Inspirado pelos verões da infância de Casarosa, os quais o diretor passava nas pequenas cidades litorâneas da Itália, Luca acompanha o menino que dá nome ao filme e seu novo amigo, Alberto, desafiando as expectativas do mundo submarino, particularmente os pais de Luca, e indo à superfície. Monstros marinhos humanoides, os garotos ganham a aparência de humanos normais quando deixam as águas para trás, dando ao nosso protagonista a chance de deixar para trás sua vida tediosa como pastor de peixes (uma das piadas mais legais do filme é descobrir que peixes são basicamente ovelhas marinhas) e conhecer um mundo diferente, literalmente.


O menino é fascinado pela superfície, e Alberto apresenta os conceitos básicos como respirar, andar e até mesmo construir coisas para o personagem principal. Quando, entretanto, os pais de Luca tomam uma decisão que levará o garoto para as profundezas do oceano, ele decide fugir de vez para a terra seca com seu amigo, sonhando em conseguir uma moto para dirigir pelas estradas desbravando o desconhecido. Talvez você esteja passando por déjà-vu agora.


A ideia do mundo proibido, da necessidade de escapar da rotina e quebrar as regras impostas pela família e sociedade, é um motor narrativo comum dentro da Pixar. Viva - A Vida É uma Festa, Monstros S&A e Valente, por exemplo, exploram territórios parecidos. Se abrirmos o leque para Disney Animation, encontraremos desde de A Pequena Sereia e Mulan até, mais recentemente, Moana e Raya e O Último Dragão. Luca não foge do padrão. É possível prever cada ponto do roteiro. A história seguirá um curso esperado e não desafiará noções pré-concebidas como vimos, por exemplo, em Soul, quando Joe descobre seu significado não na música, como o início do filme deixa a entender, mas na vida em si.


Apesar da falta de ousadia, Luca ainda resulta em 90 minutos divertidos, hora emocionantes e frequentemente lindos. Casarosa pensou em cada faceta deste mundo, criando cuidadosamente ao lado dos animadores e roteiristas, as falas, roupas e piadas desses personagens. Se por um lado Luca (Tadeu Mello na versão dublada), Alberto (McKeidy Lisita dublando) e sua amiga humana, Giulia (Fernanda Baronne) são figuras já conhecidas para fãs da Pixar, por outro, eles ainda possuem o carisma e bom-humor também esperados das criações do estúdio de animação mais famoso do planeta.


É divertido ver Luca e Alberto chegarem à superfície com ideias bizarras na cabeça (a moto dos seus sonhos se chama Vespa, então certamente há um Sr. Vespa na cidade e as estrelas na verdade são peixes), prontas para serem desmontadas por Giulia, uma garota de cidade grande estudiosa e com o sonho de derrotar o valentão da cidade na prova anual de nadar, comer massas e pedalar. A menina, aliás, parece ser o veículo pelo qual o diretor enxerga o mundo do filme. Assim como os meninos-peixes, ela não residente dali, tem problemas com a família e se sente, muitas vezes, deslocada. Simultaneamente, Giulia enxerga beleza e detalhes naquele litoral. Talvez por não ser de lá, o brilho da praia nunca tenha se tornado comum para ela. Ainda é especial e mágico.


Mágico é um dos adjetivos que podemos dar aos visuais de Luca. Como sempre, a Pixar faz um trabalho de animação impressionante. Tecnicamente falando, detalhes como as águas, as barbatanas que Luca e Alberto têm como cabelo ou mesmo um tio do protagonista cuja pele é translúcida, são feitos de computação entre os mais avançados do cinema moderno. Aliado a isso está a belíssima direção artística do longa-metragem, construindo um mundo colorido, vibrante, cheio de vida e personalidade. Das massas servidas com pesto às expressões em italiano ("silenzio, Bruno!") ditas pelos personagens com os gestos, caras e bocas mais engraçados possíveis, o litoral que Casarosa nos convida a explorar é lindo. Certas sequências de sonhos extrapolam essa beleza, transportando nossos heróis para o fantástico enquanto arregalamos os olhos. Esse, mais ainda do que Soul, merecia a telona do cinemas.


É só uma pena que a história não alcance este mesmo nível de magia. Sim, seus personagens são divertidos e momentos na conclusão vão tocar as notas certas no seu coração, dando aquele nó gostosinho na garganta ao despertar em nós emoções e memórias, mas muito pouco em Luca e suas figuras é novo. Se na produção e animação este é um dos filmes mais vivos da Pixar, na narrativa ele deixa a desejar.


Isso não define o sucesso ou não de um destes filmes. Viva, por exemplo, segue boa parte desse roteiro, mas ainda nos conquista pelo modo como desafia, apresenta e emociona através de suas histórias e protagonistas. Luca deixa a desejar nesse aspecto. Ainda que seja divertido acompanhar Luca, Alberto e Giulia, eles, assim como o enredo em si, jamais despertam o brilho nos olhos.


Nota: 3/5


Luca estreia em 18 de junho no Disney+

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