Maligno - Crítica do Chippu

Maligno - Crítica do Chippu

Novo terror de James Wan (Invocação do Mal, Jogos Mortais) traz ideias inéditas para o cinema

Guilherme Jacobs
9 de setembro de 2021 - 9 min leitura
Notícias

Para muitas pessoas existimos na época do "pós-terror" ou "terror elevado", onde coisas como A Bruxa e Hereditário usam tensão psicológica e um texto cheio de temática para construir uma experiência mais perturbadora do que aterrorizante. É mais um desenrolar de um gênero capaz de muitas metamorfoses. Entretanto, ainda há muito valor em encontrar um filme capaz de inserir em sua mente imagens nunca antes vistas com o simples intuito de arregalar seus olhos, contrair seus músculos, te assustar, e poucos sabem fazer isso como James Wan, como prova o novo trabalho do diretor, Maligno.


Wan, diretor de Sobrenatural, Jogos Mortais e dos dois primeiros Invocação do Mal, está expandindo horizontes. Nos últimos anos, ele interliga as obras de terror com blockbusters (Velozes e Furiosos 7, Aquaman) e tem se mostrado cada vez mais versátil. Maligno, entretanto, mostra o cineasta em casa, caminhando por um terreno conhecido e dominado, flexionando seus bíceps cinematográficos e mostrando o quão digno de ser chamado "mestre" ele é. O filme não é tão assustador quanto os outros em seu currículo, mas reforça a posição de alguém invicto no gênero, apresentando imagens inéditas para a audiência, soluções criativas sem depender de sustos baratos. Maligno te mostrará coisas que você nunca viu antes no cinema.


Nossa guia é Maddy (Annabelle Wallis), uma enfermeira com dificuldades para engravidar. Após ser atacada por uma sombra em casa e testemunhar a morte do seu marido violento, Derek (Jake Abel), ela começa a ver o brutal assassinato de diversas pessoas na cidade de Seattle pelas mãos da mesma criatura, agora com a forma mais estabelecida, porém totalmente perturbada. Seu andar é como uma pessoa caminhando de costas, suas mãos parecem estar de cabeça para baixo, seu cabelo é longo, sujo e bagunçado. Sua natureza parece invertida, como se estivéssemos vendo uma versão de O Exorcista na qual Reagan está sempre na posição de barriga para cima quando desce as escadas, mas também com o pescoço virado.


A criatura é uma das melhores criações de Wan. Num nível puramente visual, suas aparições ficam imediatamente mais assustadoras pela forma como o diretor a apresenta. Entrar na natureza desse ser, entretanto, é estragar boa parte de Maligno. Os trailers do filme têm sido propositalmente vagos e o marketing definitivamente não revelou as partes mais interessantes e surpreendentes da história, portanto não devemos fazer o mesmo aqui. Basta descrever Maligno como uma cebola, cujo roteiro é revelado em camadas finas, cada vez mais cheias de perturbações e ideias dignas de pesadelos. Quando o diretor finalmente nos mostra as cartas, é através de uma das imagens mais inesquecíveis e assustadoras de sua carreira, e este é o mesmo responsável pela Freira, Bate-Seba e o Red-Faced Demon.


Entretanto, se o roteiro é onde estão os melhores momentos de Maligno, é também a fonte dos maiores problemas do filme. O longa é estruturado como um mistério de detetive, com a irmã de Maddy, Sydney (Maddie Hasson) e os detetives Kekoa Shaw* (George Young) e Regina Moss (Michole Briana White) investigando os assassinatos e tentando descobrir a ligação das mortes com a protagonista. E como boa história de investigação, há perseguições e até tiroteios. Como subgênero, terror-ação é a fonte de algumas das melhores obras recentes do cinema aterrorizante, como Train to Busan, mas aqui o equilíbrio não é visto. Apesar de visualmente interessantes e criativas, as cenas de ação mais prejudicam do que elevam os momentos intensos de Maligno, distraindo ao invés de impressionar. Perto do fim, há até uma câmera lenta digna da franquia Resident Evil de Milla Jovovich.


*Sim, esse é o nome do personagem. E não, nunca deixa de ser engraçado alguém olhando seriamente para um policial e falando: Kekoa.


Mas a investigação em si também é a maneira do roteiro, escrito por Akela Cooper com base numa história de Wan e Ingrid Bisu, nos apresentar boas ideias. Novamente, é difícil explicar as qualidades da escrita sem entrar em spoilers, mas a conexão entre Maddy e a criatura assassina é fonte de reviravoltas igualmente surpreendentes e horripilantes, uma revelação construída como a preparação de um terreno amaldiçoado, uma terra maléfica onde nada cresce. Nada bom pode nascer dali, e de fato, o fruto de Maligno é digno do inferno.


Entretanto, há momentos nos quais podemos ver mais a mão de Wan, da New Line e Warner mais. Um dos principais mistérios nunca é explicado, enquanto outra personagem, apresentada mais perto do fim da história, rapidamente se torna alguém de enorme consequência e, ainda mais rapidamente, é deixada de lado pelos protagonistas. Todos os outros títulos do diretor - Sobrenatural, Jogos Mortais e Invocação do Mal - se tornaram franquias com múltiplas sequências, então não seria surpreendente vê-lo tentando repetir o truque, mas Maligno merecia ser mais fechado, redondo, completo e independente.


Wan mantém a estética de Maligno no nível de suas outras criações. Poucos diretores são tão excelentes em estabelecer a geografia do seu terror, esclarecendo para a audiência a relação entre os personagens e os locais nos quais habitam, mostrando a conexão entre quartos, portas e escadas para entendermos o quão vulneráveis estamos e como as ameaças podem surgir de qualquer lado. A casa na qual Maddy vive se torna um local real em nossas mentes com apenas algumas cenas, e sua natureza perturbada é deixada clara com takes externos nos quais Wan usa a lente para deixar o imóvel distorcido e desequilibrado. Num dia de sol, este lar nunca seria assustador, mas na mão do cineasta é o tipo de local digno de lendas urbanas compartilhadas pelas crianças quando tentam convencer alguém a fazer algo corajoso e entrar na residência mal-assombrada.


Aliado ao seu olhar está a fotografia pintada de vermelho de Michael Burgess, essencial em estabelecer a presença física do medo em todo o filme, e a trilha sonora de Joseph Bishara, fugindo do óbvio e do cliché a cada nota, contribuindo para a atmosfera de Maligno e sempre nos dando a impressão de que há algo errado. Se há um elemento, entretanto, onde é possível identificar mais falhas, é na atuação. Wallis, Young, Hasson e outros nomes do elenco são atores capazes, transmitindo vulnerabilidade e medo de maneira convincente para nos trazer cada vez mais perto de sua realidade. É quando Wan muda de marcha para o terror e requer mais agência dos seus personagens que podemos ver as costuras de suas atuações aparecendo, a leitura de falas se torna menos natural.



Por outro lado, é também preciso elogiar o design de produção de Desma Murphy, o figurino de Lisa Norcia e todo o departamento de maquiagem e efeitos especiais. Cada parte funcionando com sinergia e sincronia para elevar a visão de um diretor totalmente maluco, trazendo à vida os conceitos bizarros, impactantes, nojentos e perturbados de uma história maligna. Sim, este filme não traz mensagens sociais e psicológicas tão profundas quanto outros títulos de terror modernos, mas ninguém lança blockbusters tão honestos, interessantes e criativos dentro deste gênero como James Wan, e podemos adicionar Maligno à lista.


Nota: 4/5

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