Malu: Filme brasileiro no Festival de Sundance é intenso drama de gerações

Malu: Filme brasileiro no Festival de Sundance é intenso drama de gerações

Dirigido por Pedro Freire, longa se sustenta em grandes atuações e texto afiado

Guilherme Jacobs
29 de janeiro de 2024 - 6 min leitura
Notícias

Um intenso drama sobre como gerações definem e falham umas às outras, Malu é um projeto pessoal para o diretor Pedro Freire. Selecionado para Festival de Sundance 2024, o filme é inspirado na vida da atriz brasileira Malu Rocha, aqui vivida por Yara de Novaes como um cometa de brilho e destruição, e revela o tipo de retrato familiar que só pode ter sido feito por alguém que viveu dentro daquela moldura. Se você não soubesse de antemão que Freire é filho de Malu, que faleceu em 2013, a intimidade com a qual a história é contada deixaria isso muito claro.

Situado no Rio de Janeiro nos anos 1990, Malu enxerga sua personagem titular com o olhar único de quem é capaz de identificar todo o charme, humor e energia que a tornavam uma presença apaixonante, assim como o tipo específico de cicatriz que sua raiva é capaz de deixar. Quando a encontramos, morando numa pequena casa na favela junto de sua mãe, a conservadora e vulnerável Dona Lili (Juliana Carneiro da Cunha), Malu ainda sonha com os holofotes do teatro, e a chegada da filha Joana (Carol Duarte), após uma temporada nos palcos de Paris, traz à tona a amargura de quem teve um gostinho da fama, e agora está esquecida.

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Através da lente de Freire, que brilha em especial ao filmar os interiores de um lar tempestuoso onde a tensão entre personalidades diferentes pode rapidamente transformar uma manhã calma numa erupção violenta, acompanhamos três mulheres com cabeças duras e corações feridos a caminho de uma colisão que, apesar de seus melhores esforços, é inevitável. No centro disso tudo, claro, está Malu. Determinada a iniciar um projeto artístico na comunidade (não é uma inicativa social, ela insiste; é pra ganhar dinheiro) e construir um palco em seu telhado, ela tem uma prioridade: provar novamente de alguma versão do sucesso.

Pelas manhãs, Malu ainda faz exercícios vocais. Ao longo do dia, é comum vê-la falando para Tibira (Átila Bee) sobre peças que estrelou no passado. Quando não é o caso, ela provavelmente está brigando com Dona Lili, uma senhora que manifesta sua preocupação pelo bem-estar da filha, na sua mente uma viciada em drogas perturbada, das piores maneiras possíveis. Quando Joana, queridinha da avó e fonte de ciúme para a mãe, entra em cena, as emoções só ficam mais intensas. O sucesso do filme, porém, é como Freire trabalha bem cada uma dessas perspectivas, e usa o espaço entre elas para discur suas ideias.

Com diálogos afiados, seu roteiro constrói as três gerações de mulheres de forma genuína e cuidadosa. As qualidades e defeitos de cada uma vêm à tona de forma natural mas visível, e nas mãos de três atrizes de ponta, cada papel ganha mais cores e texturas. Por necessidade, a mais expressiva é Yara de Novaes, que se joga sem reservas na personagem mas, mesmo em meio a gritos e explosões, nunca transforma Malu numa espécie de caricatura. É impossível resumi-la como "mãe problemática" ou "mulher em crise". O carisma ainda está ali. Entendemos perfeitamente porque os amigos de Joana a descrevem como perfeita depois de uma noite de festa.

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Também entendemos porque Joana passa a tratar sua visita à casa da mãe como uma última tentativa de ajudá-la, ameaçando cortar os laços caso Malu não busque ajuda psicológica. Semelhantemente, Dona Lili pode ter preconceitos e uma surpreendente disposição para a violência, mas quando seu rosto cai em lágrimas, sentimos a dor de alguém em desespero. A questão é que ambas estão, em parte, certas sobre a protagonista, mesmo que nem sempre saibam como expressar isso.

Excelente em La Chimera ano passado, Duarte mais uma vez valida seu status como atriz brasileira mais empolgante do momento em Malu, interpretando alguém em luta constante com suas emoções e responsabilidades. Sua Joana está disposta a estender a mão e ajudar a mãe, mas parece que é impossível fazer isso sem sair machucada. Com uma atuação interior, de poucas falas mas gestos significativos, Duarte comunica essa mistura de carinho e apreensão. Semelhantemente, Juliana Carneiro da Cunha é excelente na hora de criar uma idosa cujos atos mais detestáveis estão firmados numa lógica emocional palpável.

Chamar essas duas de coadjuvantes é um desrespeito às atuações, e também ao interesse central de Malu. Duarte e Carneiro da Cunha são extremos de uma mesma linha, na qual Yara de Novaes é o centro, mas o filme de Pedro Rocha funciona porque entende cada uma dessas mulheres como pessoas reais, e encontra em cada relacionamento o combustível para tratar das diferenças e semelhanças entre as três. O que se perde de uma geração para a outra? O que acontece quando a anterior se decepciona com a geração seguinte, e vice-versa? Na família de Malu, temos as respostas.

Crítica escrita em 29 de janeiro. Assistimos a Malu no Festival de Sundance 2024. O filme ainda não tem data de estreia no Brasil.

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