Martin Scorsese: Ranking de todos os filmes do diretor lendário
Qual é o melhor filme de Martin Scorsese? Veja nosso ranking para descobrir
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Às vezes, eu penso que quando Martin Scorsese morrer, o cinema também vai. Não vai acontecer. O cinema existia antes dele, e vai continuar existindo. Mas parece que é verdade.
Isso é porque, sem exagero algum, Martin Scorsese é o maior campeão do cinema na atualidade. Ele ama e defende essa arte como arte, e não se importa em criticar grandes empresas, apontar práticas negativas e ser atacado em redes sociais se tudo isso significar que ele pode insistir nisso.
Com mais de 80 anos, pensar na sua morte seria inevitável mesmo que ele não falasse abertamente sobre a sensação de que sua vida está chegando ao fim, mais recentemente num excelente perfil publicado numa revista, e se alguns trabalhos recentes do lendário diretor de Taxi Driver e Os Bons Companheiros não fossem quase uma carta de despedida (ver: O Irlandês). Scorsese sabe que está na reta final, e ele já vem nos preparando para isso.
Você pode discordar de sua resistência aos blockbusters de heróis (eu discordo de algumas declarações antigas e específicas, mas seu argumento geral, que ele explica aqui, é certeiro), pode enxergar suas falas como saudosismo, ou até mesmo não ser o maior fã de seus trabalhos. O que a essa altura é incontestável — seja pela quantidade de clássicos que ele dirigiu ou por seu trabalho na restauração e preservação de clássicos que ele não dirigiu — é que suas digitais podem ser vistas por todo lado nesta mundo.
O ranking abaixo reflete isso. Listar todos os filmes de Martin Scorsese* é um testamento tanto da relevância de seu trabalho (há títulos irregulares, mas eu genuinamente não acho que há um filme ruim aqui, e mais da metade deles são ótimos), quanto da variedade presente nessa filmografia. Essa é a prova concreta de que este diretor jamais se limitou a histórias de gângsteres ou à Nova York, apesar de ser um dos principais responsáveis por moldar a forma como pensamos sobre essas coisas. Há comédias, romances de época, uma continuação (!) e épicos por todo o mundo. Há também colaboradores como Robert De Niro, Joe Pesci, Leonardo DiCaprio, Thelma Schoonmaker, Michael Ballhaus, Michael Chapman, Bernard Herrmann, Robbie Robertson e Paul Schrader.
*No caso, todos os 27 filmes de ficção (contando aqui o segmento "Life Lessons" que ele dirigiu para a antologia Contos de Nova York). Documentários merecem um ranking próprio, em breve!
Este ranking, também, é uma tarefa tão divertida quanto é ingrata. Ele é a oportunidade ideal de conversar sobre esse legado incomparável, e também uma agoniante tentativa de escolher entre duas coisas impossíveis. Como eu posso ter certeza que Casino é o #12, e não Ilha do Medo, que vem logo depois? Vendo e revendo os filmes para esse exercício, vi muitas ideias pré-concebidas sobre o que estaria no Top 10, o Top 5 e até no topo do topo sendo obliteradas. A cada filme, havia uma surpresa. Em breve, não haverá mais. Aproveitemos enquanto podemos.
(Dica: Você pode clicar no link no título de cada filme para ver onde ele está disponível).
27) Sexy e Marginal
Um dos poucos filmes de Scorsese que não só focam em ambientes externos, como se passam em território country. É uma ambientação muito mais associada a alguns contemporâneos (Spielberg) do que ao especialista em bares e ruas noturnas. Desses longas, Sexy e Marginal é o que mais sofre. Talvez por ser um projeto encabeçado não por Scorsese e sim por Roger Corman, ou talvez porque em seu segundo longa-metragem, o diretor não conseguia ainda mover essas peças, mesmo que sejam boas (especialmente no caso de Barbara Hershey) numa direção clara.
26) A Invenção de Hugo Cabret
É divertido, charmoso, fofo até. Esse último adjetivo provavelmente não pode ser usado para nenhum outro filme dessa lista, e eu tenho ciência que para alguns, Hugo estaria pelo menos 10 posições à frente. O projeto claramente tinha um valor pessoal para Scorsese, e reforça seu poder de variar no tom e visual de seus filmes, mas aqui, parte por sua intenção, o mundo e os personagens nunca viram reais como em praticamente toda sua filmografia. O artifício é intencional, mas também significa que os charmes do filme tendem a dissolver rápido.
25) Alice Não Mora Mais Aqui
Assim como Sexy e Marginal e A Cor do Dinheiro, esse é um daqueles projetos onde Martin Scorsese não é o motor fazendo tudo andar. Aqui, numa atuação primorosa, isso cabe a Ellen Burstyn. Scorsese sofre um pouco para contar o tipo de história (uma mãe viúva, no interior dos EUA, com uma criança) que parece mais longe de suas preferências, particularmente na concepção do ambiente onde ela existe. Burstyn, porém, está lá para resgatar tudo. Num ranking de filmes dela, esse comovente drama estaria lá em cima.
24) Kundun
Longe de ser um filme ruim, Kundun sofre em especial pelas atuações dos atores que interpretam o Dalai Lama (particularmente em sua juventude), que não conseguem conferir um centro para este drama grandioso que nunca seria feito hoje me dia, quando os estúdios de Hollywood não ousam falar mal da China. Mostrando a luta do Tibete, Scorsese traça paralelos entre o budismo e sua própria espiritualidade para encontrar conflitos universais. Ele só não tem, aqui, um aliado no qual ele pode depositar tudo isso.
23) New York, New York
Especialmente em seu primeiro ato, Martin Scorsese não consegue equilibrar New York, New York em tom ou forma. Tentando homenagear os musicais de Vincent Minelli (com sua filha, Liza, no papel principal junto de De Niro) e ao mesmo tempo contando um romance moderno onde há abuso e um dilema entre o sucesso profissional e a realização pessoal, ele perde o controle. Mas mesmo que os instrumentos não estejam em harmonia, cada um deles é bem afinado, e uma vez ou outra, as notas criam uma sinfonia maravilhosa. Dura pouco, mas dá pra ouvi-la.
22) Quem Bate à Minha Porta?
A gênese do cinema de Martin Scorsese. Nova York, fé, masculinidade, espiritualidade e a relação entre um homem e uma mulher. Quem Bate à Minha Porta? possui falhas visíveis, algumas delas por interferência do estúdio, mas do humor entre amigos à culpa católica, da separação entre a vida nas ruas e a vida em casa, do uso de músicas ao mover da câmera; o vocabulário que marcou grande parte do último século do cinema já apresentava suas primeiras frases.
21) Gangues de Nova York
A interferência do monstruoso Harvey Weinstein limita muito do sucesso desse filme, especialmente na conclusão, e não há dúvidas que Cameron Diaz não está no nível dos astros masculinos do longa. Mas, tudo bem. DiCaprio também não está no nível de Daniel Day-Lewis, que entrega nessa fábula sobre o sangue por cima do qual Nova York foi erguida um de seus personagens mais inesquecíveis e marcantes.
20) Contos de Nova York (segmento "Life Lessons")
O segmento dirigido por Martin Scorsese nesse filme de três histórias se passando em Nova York (Woody Allen e Francis Ford Coppola dirigem os outros) é, de longe, a melhor parte de Contos de Nova York. Talvez a única parte boa. Cômica mas perturbadora, a narrativa de um artista mais velho que usa e abusa de uma namorada mais jovem após divórcios tem um um grau autobiográfico, mas também é um quadro revelador sobre a relação entre artista, arte e pessoas.
19) Vivendo no Limite
Várias pessoas em minha família são médicas, e eu estou muito familiarizado com a capacidade de um plantão de virar um portal para o caos. Por isso, ver o enfermeiro de Nicolas Cage perdendo totalmente a cabeça é tão hilário quanto é alarmante. A loucura inerente a Cage tanto realça o sucesso da histeria desta tragicomédia quanto parece surpreendentemente equilibrado diante das figuras ao seu redor aqui. Vivendo no Limite está longe de ser uma obra-prima, mas não merece ser tão esquecido como é.
18) A Última Tentação de Cristo
Scorsese, o católico que estudou para ser padre, e Paul Schrader, o calvinista. Dois homens cuja fé parece ter entrado em crise quando ambos se jogaram nos prazeres do mundo. A Última Tentação de Cristo é, nas palavras de Schrader "tecnicamente blasfêmia," mas ele não parece ter a intenção de ofender. Aqui, eles querem, genuinamente, entender a Cristo, mas na verdade querem entender quem é Cristo para eles mesmos. Quem são eles. No final desse filme, após 30 minutos nada cristãos, o messias retorna à cruz num dos cortes mais importantes que Schoonmaker presidiu. Resta saber se, no fim de suas vidas, é assim que Scorsese e Schrader o verão.
17) O Aviador
É fácil traçar paralelos entre a história de Howard Hughes em O Aviador e o próprio Scorsese. Da infância doente e isolado em casa até as constantes brigas com sistemas (Hollywood, governos, indústrias) para criar grandes coisas. Visualmente, o filme envelheceu como poucos dos trabalhos do diretor, mas enquanto houver DiCaprio, Cate Blanchett (sim, eu defendo a atuação dela aqui) e tanto material para o diretor abordar, é fácil ficar envolvido. Os temas nunca são tão bem trabalhados quanto podiam, mas Scorsese sabe construir um épico como poucos.
16) Os Infiltrados
O terceiro ato desse filme nem sempre faz sentido, e Jack Nicholson parece estar num mundo só seu, mas Os Infiltrados é o que filmes de estúdios poderiam ser nas mãos de grandes autores e com um grande elenco. Tão maldoso quanto é engraçado, esse filme pode não ter os mesmos desenvolvimentos temáticos de outros suspenses de crime de Martin Scorsese, mas o nível de entretenimento aqui beira o infinito. É uma coleção de greatest hits (literalmente, com "Gimme Shelter"), mas hits são hits por uma razão.
15) Ilha do Medo
O horror nascente da paranoia pós-Segunda Guerra Mundial distorce toda a realidade, e é impossível confiar em algo. Scorsese retornou para a atmosfera e a época de seu crescimento, quando tudo precisava ser explicado através de alguma escuridão escondida. A tragédia do personagem de Leonardo DiCaprio é encontrar o que essas sombras escondem e ver, ali, um espelho. Ilha do Medo é divertidíssimo e magnético, e poucas coisas representam tão bem o tato de Scorsese quanto sua habilidade de fazer isso ao mesmo tempo em que cria algo perturbador.
14) Caminhos Perigosos
Não é o primeiro filme de Martin Scorsese, nem o primeiro onde ele coloca um personagem claramente autobiográfico (e vivido por Harvey Keitel) no cruzamento do catolicismo piedoso e do crime intoxicante. Entre ruas e igrejas há os bares, e é nessa intercessão que o diretor constrói tantos de seus dramas, comédias, tragédias e romances. Tudo que é visto em Caminhos Perigosos melhora e depois, mas este é o grande anúncio da chegada de um gênio.
13) Cabo do Medo
Um filme B feito com a técnica de um filme A. Martin Scorsese leva o terror ao subúrbio para o seu filme mais firmado em exploitation. Cabo do Medo combina a excelência do diretor em mover a câmera, pintar quadros e criar atmosfera com o ar de costuras estourando que vem com esse tipo de produção. Esse caos controlado é perfeitamente representada pela atuação sombria de Robert De Niro. Nem tudo envelheceu bem, mas Cabo do Medo é um dos trabalhos mais reassistíveis do cineasta.
12) Cassino
Por um lado, Cassino é de fato um primo distante e um pouco menos atraente de Os Bons Companheiros. Isso, porém, ainda significa que ele é parecido com um dos melhores filmes de todos os tempos. Ao mostrar a morte do antigo gângster em favor da institucionalização do crime, Scorsese encontra o ambiente ideal nos cassinos de Las Vegas, um local onde promessas são quase sempre respondidas com uma dose cruel de realidade. Ouso dizer que esse é o melhor trabalho de Joe Pesci com o diretor.
11) Silêncio
É possível manter a fé a todo custo? Scorsese trata da fé desde seu primeiro filme, e com o passar do tempo ele parece ter enfrentado crises, abandonado caminhos e reconhecido pecados. No processo, ele fez várias obras sobre crença, culpa e espiritualidade, mas Silêncio é o exemplo mais claro da luta para manter seus olhos em Deus quando tudo à sua volta insiste na apostasia. Em sua conclusão, Silêncio sugere que por baixo de tudo, mesmo que em segredo, a fé permanece. Talvez Scorsese esteja admitindo essa é sua realidade, ou talvez ele esteja rogando por isso.
10) A Época de Inocência
À primeira vista, um drama de época com grandes vestidos, conversas formais e idas à ópera não parece ter nada a ver com Martin Scorsese. Mas além de, claro, se passar e falar sobre Nova York, A Época de Inocência é, como vários de seus filmes, uma história sobre homens tentando manter suas almas intactas em meio a sistemas sociais desenhados para roubá-las. Nesse contexto, o romance vivido (e o romance perdido) pelo personagem de Daniel Day-Lewis se torna uma das mais comoventes fábulas dessa filmografia.
9) O Irlandês
Se Caminhos Perigosos foi o princípio e Bons Companheiros foi o ápice, O Irlandês é a grande reflexão de um autor sobre sua carreira e sobre as histórias que a povoam. Aqui, Martin Scorsese leva o filme de gângster, sua posição como profissional e artista, e o Século 20 dos Estados Unidos que serviu para catapultar tanto ele quanto esses personagens a outro patamar até o limite. Ultrapassando o limiar do êxtase, O Irlandês se configura como uma denúncia e uma declaração. Depois de todo o dinheiro e sucesso obtidos a custa de outros, há solidão.
8) Assassinos da Lua das Flores
O melhor exemplo de Martin Scorsese levando seu olhar para outra cultura. O diretor aparece em vários de seus filmes, mas sua participação aqui não é uma surpresinha hitchcockiana, e sim uma confissão de sua relação com a história das mortes dos índios Osage em Oklahoma. Inicialmente concebido como um suspense sobre a criação do FBI, Assassinos da Lua das Flores conquistou seu diretor, que não só se rendeu ao verdadeiro coração dessa história, como se tornou uma de suas maiores testemunhas.
7) A Cor do Dinheiro
Tipicamente considerado "um pra eles." Scorsese fez este filme a pedido de um estúdio, Paul Newman era a figura central (retornando como seu personagem de Desafio à Corrupção) e um jovem Tom Cruise também ocupava espaço. Mas se é isso que acontece quando Martin Scorsese faz "um pra eles", então que pena que ele não fez mais. Composto por cenas que parecem voar pela tela, A Cor do Dinheiro não é só um dos melhores filmes esportivos, uma das melhores continuações e um dos melhores filmes dos anos 1980; ele também é um dos melhores filmes de Martin Scorsese.
6) Touro Indomável
Um dos meus críticos favoritos diz que se um filme é genuinamente bom, você ainda sairá da experiência positivo, alegre ou pelo menos inspirado mesmo que seu assunto ou tema seja deprimente (eu concordo). Um titã de direção, atuação, fotografia e montagem, Touro Indomável é um dos maiores desafiantes dessa afirmação. Como Jake LaMotta, Robert De Niro não faz só uma transformação. Ele abre um portal, e todos os demônios desse boxeador saltam de sua mente como poderosos socos, atingindo cada área do filme e deixando-o absoluto em seu poder. Quando Touro Indomável termina, estamos nocauteados.
5) Depois de Horas
Eu ouso dizer que, mais até do que o #2 dessa lista, esse é o filme que melhor combina Martin Scorsese com sua icônica cidade natal. Nova York não está só presente no que é a mais engraçada história kafkiana já feita, ela é a alma do filme. Toda a gama de experiências, sensações, possibilidades e ansiedades que vem com ser jovem numa cidade grande está aqui. A empolgação de sair à noite em busca de amor, a impaciência com os obstáculos aparentemente infinitos e a inevitável certeza de que uma hora o sol nasce e você precisa voltar para o trabalho.
4) O Lobo de Wall Street
Talvez o mais mal interpretado filme de Martin Scorsese. Sim, o excesso no qual o Jordan Belfort de Leonardo DiCaprio (em sua melhor atuação até hoje) entra confere ao filme comédia e levanta os ídolos de muitos, do dinheiro ao sexo, da maneira mais atrativa possível. Isso, claro, é intencional. Assim como seu protagonista, esse filme é um golpe. Lobo de Wall Street termina revelando suas verdadeiras intenções (um alerta sobre esses predadores do capitalismo), mas o golpe foi tão bom que até hoje há figuras (tipicamente alguém que vende promessas caras no Instagram) que usa o discurso de Belfort de forma motivacional. Elas continuam caindo nesse golpe.
3) O Rei da Comédia
Há 40 anos, Martin Scorsese previu exatamente como seria nossa relação com celebridades, nosso fascínio por figuras deploráveis e o relacionamento possessivo de fandoms com seus ídolos. Rupert Pupkin é o precursor de "Stan," de Coringa, de qualquer grupo de fãs que pode ser resumido por um substantivo, e de todos nós que gastamos horas vendo famosos, artistas ou influencers em redes sociais. Acima de tudo, porém, essa irritante (mas meio engraçada) figura mostra nosso anseio usurpador; se possível, vamos o lugar de quem adoramos.
2) Taxi Driver
Quando eu vi Taxi Driver pela primeira vez, na minha adolescência, o aspecto anti-herói de Travis Bickle me conquistou. Afinal de contas, naquela jaqueta, com aqueles óculos e aquele cabelo, havia ali uma figura de mitologia, tomando para si a vingança pelos crimes cometidos por uma Nova York infestada de lixo. Quando parei para revê-lo, esperava detestar Bickle. Mais velho, e ciente do que aquele personagem representa, essa era minha expectativa. A excelência de Taxi Driver, porém, vem ao mantê-lo suficiente simpático para que nossa guarda sempre esteja baixa, e assim Scorsese ataca. É difícil detestá-lo, por design. É impossível, porém, não reconhecê-lo pelo perigo que ele representa.
1) Os Bons Companheiros
Uma colisão de talento, momento, ideia e execução que mais parece um daqueles eclipses vistos uma vez por século do que um filme. Os Bons Companheiros é feito por Scorsese no auge de seu talento, relevância, domínio e liberdade, reunindo o diretor com alguns de seus grandes parceiros, como De Niro e Pesci, para uma história que captura a eletricidade de ser um gângster, ou um diretor de cinema, e como ambos podem ser derrubados pelo excesso. No processo, porém, ficam as imagens. Recordações reproduzidas em planos-sequências e montagens que eternizam seus personagens e, acima de tudo, seu diretor.