Megalopolis: Por que Hollywood tem medo de lançar o filme mais importante do ano?

Megalopolis: Por que Hollywood tem medo de lançar o filme mais importante do ano?

Projeto dos sonhos do diretor Francis Ford Coppola enfrenta resistência em Hollywood

Guilherme Jacobs
24 de abril de 2024 - 8 min leitura
Notícias

Quando lançamos nosso listão de 50 filmes imperdíveis em 2024, colocamos Megalopolis em #4. Olhando pra trás, agora, eu me arrependo de não o ter colocado na primeira posição. O primeiro filme de Francis Ford Coppola, o homem responsável pela trilogia O Poderoso Chefão e Apocalypse Now, em mais de uma década tem se tornado um dos tópicos mais importantes do ano quando o assunto é cinema, e também um dos mais preocupantes.

Não coloquei Megalopolis em primeiro lugar por conta da incerteza de seu lançamento, e pelo que precisamos admitir ser uma irregularidade na filmografia de Coppola, que está longe de ser uma garantia. Dentro de diretores americanos, porém, Coppola é praticamente incomparável quando estamos falando de autenticidade artística, ousadia e, dependendo do seu ponto de vista, coragem ou loucura.

Menciono essa dupla interpretações dos atos de Coppola porque o assunto voltou à tona agora que o diretor apresentou Megalopolis para o mundo. As reações iniciais às exibições do filme, um projeto de mais de US$ 100 milhões que Coppola financiou com seu próprio dinheiro (vender um dos vinhedos da família por US$ 500 milhões ajudou), podem ser facilmente divididas em dois campos: quem o observa como peça de arte celebra sua existência, enquanto engravatados preocupados apenas com a perspectiva comercial o tratam como o fruto proibido; quem morder sofrerá consequências.

Megalopolis, segundo as primeiras impressões, é um épico adulto que dispensa papéis tradicionais de heróis e vilões em favor de uma narrativa que aborda temas grandiosos de maneira experimental e dinâmica. Sua história trata da reconstrução de Nova York depois de um desastre, e o elenco inclui Adam Driver, Aubrey Plaza, Giancarlo Esposito e Jason Schwartzman, entre outros.

O estúdio que investir nesse filme não precisará gastar um tostão com sua produção, apenas com a distribuição (Coppola quer algo amplo, que inclua telas IMAX) e publicidade. Estima-se que o custo disso seria US$ 40 milhões para os EUA, e US$ 100 milhões para um lançamento global improvável. Não é trocado, mas o valor fica consideravelmente abaixo dos números tipicamente vistos em grandes filmes, porque, novamente, o filme está pronto. Ainda assim, Megalopolis é, segundo quem o viu, tão arriscado para um estúdio tradicional, que é "não há como posicionar o filme" no mercado.

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Não me entenda errado. Eu não vou defender que um estúdio grande de Hollywood tem a "obrigação" de adquirir os direitos de distribuição de Megalopolis e gastar mais US$ 100 milhões para lançá-lo se o prejuízo está praticamente garantido. E se Coppola colocou esse projeto, o filme que sonha em fazer há décadas, para frente sem vislumbrar essa resposta temerosa das grandes marcas, então ele está ainda mais envolto em suas paixões do que aparenta. Mas... isso é algo ruim?

De forma alguma. Foi a crença inabalável do diretor no que O Poderoso Chefão poderia ser e no que Apocalypse Now precisava ser que resultou em clássicos hoje responsáveis por moldar boa parte do cinema norte-americano. Você foi ao cinema ver Guerra Civil e gostou? Agradeça a Apocalypse Now. Sabe Sopranos, Os Bons Companheiros e até Batman (2022)? Nenhum deles existia como é se a saga da máfia Corleone não tivesse sido adaptada como Coppola fez.

Que os estúdios hollywoodianos, cada vez mais dependentes nas supostas certezas de franquias e universos, não têm interesse, ou coragem, o suficiente para lançar o que sem dúvidas é mais um projeto profundamente idiossincrático e autoral é uma conclusão pouquíssimo surpreendente. Frustrante, porém, tem sido a cobertura de uma imprensa e público cada vez mais educado a pensar como um estúdio: bilheteria, potenciais sequências e, no máximo, indicações a Oscar. Textos recentes em publicações como Hollywood Reporter e Variety revelam um comportamento agressivo em relação a Megalopolis, como se Coppola estivesse quebrando alguma regra sagrada ao colocar seu dinheiro no que acredita e fazer algo imune aos focus groups, aos produtores mandões e ao todo-poderoso mercado.

O crítico Filipe Furtado, que em seu blog descreveu Coppola como "um homem que é tomado por paixões" resumiu bem a situação ao dizer: "Há poucas coisas que desagradam mais o establishment hollywoodiano do que um cara maluco que decide queimar seu próprio dinheiro; esse tipo de arrogância artística vai contra a essência do negócio." Coppola é um diretor incapaz de não ser levado por sua própria arte, um entusiasta pela ideia de fazer cinema que se recusa a não pensar, primeiro, no filme que está fazendo, e em fazê-lo com o respeito que merece.

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Não é chocante ver como Hollywood pensa cada vez mais como Wall Street, mas a conversa sobre Megalopolis, agora, não deveria ser sobre suas chances em dólares. Independente disso, e até mesmo do sucesso artístico do filme como filme (essa conversa vem depois), deveríamos celebrar a chegada de um grande título assinado por um dos diretores mais importantes e bem-sucedidos da história. Afinal de contas, quem seria afetado pelo suposto "fracasso inevitável" desse lançamento? Coppola seguirá muito bem economicamente, e nenhuma Universal, Disney ou Warner terá investido mais nisso do que em produções de seus próprios escritórios que passaram longe dos resultados desejados. Para exemplos, veja Velozes e Furiosos 10, Indiana Jones e a Relíquia do Destino e quase qualquer filme do DCEU.

Os feitos desses filmes na bilheteria jamais deveriam vir antes da análise crítica — a história está recheada de flops que passaram a ser adorados: Clube da Luta, Blade Runner, O Enigma de Outro Mundo —, mas nesses blockbusters recentes, tratados por grandes corporações como apostas econômicas, é compreensível que se haja, especialmente em publicações que também acompanham o mercado, uma discussão da parte econômica. Qual é o proveito de repercutir algo como Megalopolis dessa mesma forma? O que isso vai nos ensinar, que já não sabemos, sobre Hollywood ou Francis Ford Coppola?

Antes de ser um negócio, cinema é uma arte. Pode soar piegas, mas sonhadores e apaixonados como Coppola colocaram nas telas não só algumas das melhores obras desse meio, como também coisas duradouras que resistem ao teste do tempo, e eventualmente se tornam titãs cujos títulos movem corações e carteiras. Se Megalopolis é algo assim, é cedo demais para dizer. O que o filme merece, indiscutivelmente, é a chance de buscar esse status.

Faltando menos de um mês para sua estreia no Festival de Cannes (onde o Chippu estará novamente), tivemos a boa notícia que Megalopolis está próximo de garantir sua distribuição na França, um país que historicamente valoriza os autores americanos mais do que a própria Terra da Oportunidade, mas isso sugere que um lançamento global está fora de cogitação.

Para cinéfilos brasileiros, é hora de começar a cruzar os dedos para uma marca local, como Diamond ou Paris Filmes, se dispor a entrar na conversa (e, oremos, não lançar o filme aqui com seis meses de atraso), ou algum festival como a Mostra SP ou Festival do Rio conseguir incluí-lo em sua seleção. Tomara que tudo dê certo, porque hoje, especialmente depois de ver a recepção do projeto na mídia, eu colocaria Megalopolis como o filme mais imperdível de 2024; não há outro filme mais importante este ano.

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