Não Se Preocupe, Querida - Crítica do Chippu

Não Se Preocupe, Querida - Crítica do Chippu

Apesar de grande elenco que inclui Florence Pugh e Harry Styles, filme de Olivia Wilde é um fracasso de forma e conteúdo

Guilherme Jacobs
13 de setembro de 2022 - 9 min leitura
Notícias

Grande parte de Não Se Preocupe, Querida acontece enquanto os personagens — brancos, em casas de classe perfeitas e com drinks na mão — observam os outros e reclamam. A imagem, construída pela diretora Olivia Wilde, poderia ser perfeita para denunciar temas como privilégio, fofoca e desligamento da realidade, uma investigação do estado de uma sociedade. Wilde, porém, está nela. Não só como atriz, já que interpreta uma das personagens, mas também em atitude. Comentando através das mais óbvias metáforas numa montanha russa de emoções variando da incredulidade ao tédio, Não Se Preocupe, Querida é exatamente como seus personagens. Uma reclamação vazia. Uma fofoca.


Talvez isso seja adequado para um projeto cujas polêmicas de bastidores se tornaram, recentemente, inescapáveis. O filme talvez se beneficiasse disso, usando a atenção para para crescer. O resultado, porém, é algo incapaz de fazer bom uso de seu talentoso elenco e bons valores de produção. As intrigas por trás da produção ficam, então, mais danosas. Sem elas, é difícil imaginar Não Se Preocupe, Querida atraindo o mesmo tipo de interesse do público. É uma pena, contudo, que aquilo para o qual esse foco irá é tão falho.


Florence Pugh interpreta Alice. Assim como todas as outras mulheres de sua isolada, mas paradisíaca cidade no meio do deserto, vive num país das maravilhas. Eu disse que as metáforas eram óbvias? Sim, ela precisa cozinhar e limpar, mas toda noite recebe seu marido, Harry Styles (o nome do personagem é Jack, mas chamá-lo de Harry Styles parece mais apropriado) enquanto ele faz sexo oral e a masturba sem nunca pedir nada em troca. Quando não está fazendo isso, Alice curte o clima perfeito com as vizinhas (Wilde entre elas), bebe e vai à festas. Seu esposo, junto com todos os homens do local, construído como a imagem do sonho americano da década de 1950, passa o dia fora trabalhando no misterioso Projeto Vitória, cuja maior regra é discrição. Ninguém pode saber o que acontece lá. Essa vida perfeita, então, é perturbada quando, após testemunhar a tentativa de suicídio de uma vizinha, Alice começa a ter visões estranhas e questionar a realidade.


Não entregarei as (previsíveis) respostas, mas quando Não Se Preocupe, Querida enfim revela sua verdadeira face, as frágeis lógicas de emoção e mundo caem numa desastrosa sequências de ideias rasas e mal desenvolvidas proclamadas com a convicção de quem pensa estar declarando verdades urgentes, algo pontuado pela exclamação de seu ousado e mal calculado final. Estes gritos, na melhor das hipóteses, são ideias melhor representadas em outras obras, e na pior denotam uma cineasta orgulhosa, cuja visão reducionista de feminilidade e sociedade diminui as outras mulheres a coadjuvantes de sua crítica didática ao machismo, vozes dignas de serem ouvidas apenas se forem ecos. O machismo deve ser criticado, claro, e os vilões deste filme ecoam pessoas perigosas de nossos cotidianos, mas o tratamento aplicado por Wilde à questão no cerne deste filme é o mesmo. Eles acreditam que mulheres devem ser uma coisa, e invalidam outros estilos de vida. A opinião da diretora é diferente, mas oferece a mesma intolerância.


Para desenvolver seus argumentos, Não Se Preocupe, Querida adota uma estrutura de suspense, aos poucos dando pistas de uma revelação final e quebrando a segurança de sua protagonista na esperança de criar tensão. Mal executado, o formato é apenas confuso e coloca o holofote nos defeitos do roteiro escrito por Katie Silberman e Carey e Shane Van Dyke, um documento decidido a tratar sua personagem principal como o arquétipo da mulher histérica enquanto pensa desconstruí-lo simplesmente reconhecendo esse comportamento, e remover qualquer humanidade das figuras secundárias. Esta última escolha se prova letal para qualquer química e credibilidade para o relacionamento de Pugh e Styles em tela. Talvez seja um mérito conseguir remover a faísca de uma das mais eletrizantes atrizes de sua geração e da maior estrela pop do globo. Isso, realmente, é um desafio e tanto.


Pugh, claro, é competente o suficiente para interpretar até as piores cenas com convicção. O trabalho, porém, é ingrato. Graças ao talento nato da atriz para comunicar vulnerabilidade e desejo, Alice passa a ser mais do que apenas um receptáculo (ou vítima) para as ideias de Wilde. Habilidosa como construtora de visuais, a diretora não exibe o mesmo cuidado com o estabelecimento da personagem. Em nome do suposto debate intelectual, ela sacrifica o desenvolvimento da heroína no altar do avanço industrial, uma trágica perda na máquina do progresso. Na reta final, Alice chora desejando voltar para sua vida, por pior que esta possa ser. Pugh parece, no momento, confrontar o próprio papel. Implorando pela oportunidade de ter algum material para aproveitar. Não Se Preocupe, Querida ataca a interpretação de mulheres como anexos dos homens, mas no processo deixa de lado a independência das protagonistas, transformando-as em páginas em branco não para refletir seus temas, mas por incapacidade.


Alice existe por causa, apenas, de Jack. Mas se Não Se Preocupe, Querida deixa de lado o conceito de uma personalidade para Pugh, o filme sofre ainda mais no personagem de Styles. Sem dinâmica ou alcance, Styles — uma ótima surpresa em Dunkirk — é apagado numa sinfonia de decisões inexplicáveis. Jack é o oposto de interessante, e se Alice está inteiramente atrelada à sua história, então ele se torna o destruidor das chances do casal de nos convencer de seu amor e atração. Quando uma reviravolta acontece e traz à tona verdades sobre Vitória e Jack, a escalação de Styles se torna bizarra e, ainda que Wilde consiga fazer uma crítica interessante sobre masculinidade moderna com o momento, o impacto emocional está ausente.


O mundo no qual estes personagens habitam, apesar de bem filmado em algumas tomadas, não oferece substância. Com a desculpa de explicar tudo por meio da virada climática do enredo, a exploração do ambiente é deixada de lado quando Wilde estabelece o paralelo básico da premissa. Moradores, alguns até bem interpretados por nomes carismáticos como Nick Kroll, parecem deixar de existir quando desaparecem e mesmo o grande arquiteto do projeto, Frank (um mega carismático Chris Pine, único membro do elenco cujo charme transcende o papel subdesenvolvido) é abandonado enquanto Não Se Preocupe, Querida vai de bizarrice para bizarrice, quebrando regras nunca estabelecidas até o momento em que precisa, retroativamente, se explicar. Esse é o golpe final.


Enquanto outros plot-twists servem para colocar tudo no lugar, este só levanta mais perguntas, remove qualquer semblante de drama ou importância de acontecimentos grandiosos e se mostra semelhante a uma frase inacabada. Quando Wilde termina o filme, num corte ousado sublinhando toda a obra, ficamos na espera de mais uma palavra. Algo para concluir a dissertação e revelar o texto ou como uma repetição vã de ideias e posições válidas e mal apresentadas, ou como uma interpretação equivocada das mesmas. Recebemos, porém, o título. Como alguém tentando desviar do problema, o longa-metragem termina quase nos implorando. Por favor, Não Se Preocupe.


1.5/5

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