O Quarto ao Lado usa talento de Julianne Moore para contar uma história sobre amizade e perda, mas sem novidades
Pedro Almodóvar passeia por terrenos conhecidos e parece só ter olhos para sua dupla principal
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Entra ano, sai ano e Julianne Moore sempre está batendo cartão com uma grande atuação. Seja em séries como Sharper, da Apple, ou em produções como o bom Segredos de um Escândalo, ambos de 2023, a atriz sempre se destaca. E isso vale até para produções que estão aquém do talento da atriz, como um Querido Evan Hansen da vida. Já se vão 10 anos desde que Moore venceu o Oscar por Para Sempre Alice, filme em que interpretou uma acadêmica com Alzheimer. Agora, com O Quarto ao Lado, ela está na outra face dessa história, acompanhando alguém com uma doença terminal.
Moore e Tilda Swinton são as grandes estrelas do primeiro filme totalmente em inglês de Pedro Almodóvar. O Quarto ao Lado conta a história de duas amigas que vão passar alguns dias em uma casa no interior, para que uma delas, Martha (Swinton), que tem um câncer sem cura, possa tomar algumas pílulas e morrer em paz. A história é adaptada do livro “O que Você Está Enfrentando”, de Sigrid Nunez, e rendeu o primeiro Leão de Ouro, no Festival de Veneza, para o diretor espanhol. Almodóvar, claro, está em um terreno perfeito para suas produções: histórias fortes e com mulheres imperfeitas. E é na força da atuação de sua dupla principal que reside a grande jóia, um grande rubi, para me manter fiel ao vermelho tão amado pelo diretor, da produção.
Ingrid (Moore) é uma escritora e durante o lançamento de seu novo livro, descobre que Martha, uma antiga conhecida, está enfrentando um câncer incurável. Ao visitar Martha no hospital, as duas acabam criando um vínculo meio abrupto e que logo vem com um pedido inusitado: Martha quer a companhia de Ingrid no momento em que vai tomar remédios e terminar com seu sofrimento. O que fazer numa situação dessa? Como se nega uma ajuda dessas em um momento tão delicado?
O que poderia ser um drama pesado, ganha contornos cômicos e sarcásticos nas mãos de Pedro Almodóvar, que escreve a própria adaptação do livro. Moore brilha ao criar essa angústia e ansiedade gerada pelo conflito em ajudar ou não a amiga. A entrada de Damian, interpretado por John Turturro, ajuda a personagem a ter com quem externar essa preocupação e buscar auxílio tanto psicológico, quanto jurídico, já que será testemunha da eutanásia da amiga. Por outro lado, Swinton imprime a melancolia necessária para criar uma personagem cheia de camadas. Martha foi uma correspondente de guerra e vive um relacionamento conturbado com a filha, que ela acaba deixando de lado no planos de abandonar o nosso mundo.
Toda essa preparação e a chegada das duas na casa onde Martha morrerá, rendem ótimos momentos e diálogos das duas. Toda a explicação do plano é impagável, com Swinton usando uma sobriedade quase mórbida ao falar sobre a compra das pílulas na deep web e o grande sinal de sua morte: se a porta do quarto estiver aberta, ela ainda não tomou o remédio. Se a porta se fechar, Ingrid a encontrará lá dentro sem vida. Moore sempre transparece que sua personagem está um passo atrás em todas as ocasiões. Ela nunca deixa de se surpreender com as tiradas de Martha e quando a história pede que o drama enfim desabe sobre ela, a atriz mostra porque é uma das maiores de sua geração, alternando entre o silêncio e a dor mais falada do que sentida. O diretor ainda coloca um contexto sexual que circunda as duas e gera uma ótima cena de Moore com um instrutor da academia e uma conversa entre ela e Swinton em uma das noites na casa.
Pedro Almodóvar consegue criar essa ótima química entre elas e as coloca em um belíssimo design de produção, colorido com seus já famosos tons de vermelho e marrom. Entretanto, essa cumplicidade das duas e a estética quase perfeita, acabam não encontrando muito mais a dizer do que já estamos habituados em outros filmes sobre o mesmo assunto. Erros do passado, esqueletos no armário e problemas mal resolvidos. A personagem que cobriu grandes crises humanitárias, mas é fria com seu próprio laço de sangue. A escritora que recebe uma fila gigante para pedidos de autógrafos emocionados, mas que se mantém afastada de um possível amor e demonstrações de afeto. O terceiro ato do filme traz a entrada de uma personagem essencial na trama, mas que não acrescenta em nada na história, além de uma surpresa visual que o diretor prepara.
O Quarto ao Lado depende muito mais dos relacionamentos criados e da integração dessas peças do que realmente da história que elas estão contando. A incrível Julianne Moore, Swinton e Turturro poderiam ficar horas conversando, que o filme de Pedro Almodóvar ainda não perderia a força do que tem de melhor: multiplicar cumplicidade sem cair no barato dos discursos edificantes. No entando, discutir sobre eutanásia e finitude dentro desses laços, não parece ser o maior foco do diretor.