O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder é a definição de espetáculo (Crítica Sem Spoiler)
Primeiros dois episódios dissipam qualquer tensão aliando grandiosidade à qualidade
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Quando o primeiro episódio de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder começou, me senti tenso. Não animado ou ansioso. Tenso. Há muito em jogo quando se trata de um material tão importante, seja quando falamos da obra máxima de J.R.R. Tolkien ou da trilogia espetacular de Peter Jackson. Viajar à Terra-Média é, ao mesmo tempo, empolgante e assustador. Este é um dos mundos mais ricos e interessantes da fantasia, mas também um impiedoso com adaptações meia-boca (ver: O Hobbit). Por isso, tenso.
Não é só ter algo bem produzido, isso os US$ 500 milhões investidos pela Amazon numa temporada praticamente garantem. Mais difícil é trazer o texto de Tolkien à tela simultaneamente mantendo-se fiel aos seus temas e ideias, mas também oferecendo algo novo a se dizer. Se os showrunners J. D. Payne e Patrick McKay tentassem modernizar esta narrativa ao desconstruí-la ou fugissem de suas características mais honestas, com vergonha do linguajar e ambientação, não haveria quantia o suficiente para salvar Os Anéis de Poder.
Diante de tanta pressão, porém, a série de O Senhor dos Anéis rapidamente justifica sua existência. Claro, para alguns leitores (ou fãs dos filmes), nada será suficiente para quebrar as paredes mentais fechadas. Mas em termos de fidelidade, não só à mitologia como à mensagem, Os Anéis de Poder se prova mais do que digna de ser adicionada ao rol de adaptações de Tolkien. Com uma construção de mundo invejável, um vasto elenco de personagens interessantes e bem interpretados, um profundo entendimento dos fundamentos dessa história e um visual digno da riqueza da Terra-Média, Os Anéis de Poder faz um trabalho fabuloso de, em seus primeiros dois capítulos, nos levar de volta ao mundo de elfos, anões e hobbits.
O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder - Tudo sobre a gigantesca série da Amazon Prime Video
Na verdade, não há hobbits aqui. Sua história se passa durante a Segunda Era de Tolkien, dois milênios antes de Frodo Bolseiro conhecer Aragorn, ir para Mordor com um anel em seu bolso e cruzar o caminho de Gollum. Os Anéis sequer foram forjados. Para nos situar, a série faz a mesma jogada de Peter Jackson em A Sociedade do Anel e começa com uma sequência estendida de flashback, começando pela infância de Galadriel na belíssima terra de Valinor, vivendo debaixo da luz das árvores, e passando pelo surgimento do Grande Inimigo, Morgoth, até sua derrota, e o momento atual, no qual a elfa — interpretada como adulta pela ótima Morfydd Clark — lidera um destacamento em busca do maior seguidor deste mal, Sauron.
É uma belíssima carta de apresentação. Passeando pelos mais diversos ambientes, climas e terrenos da Terra-Média, todos filmados de maneira bela, com a câmera encontrando na própria natureza o valor de cada tomada, e mostrando a grande temática de Os Anéis de Poder (e de toda obra Tolkieniana). Essa é uma história de luz e trevas. As influências bíblicas, a essência de fantasia, os detalhes mitológicos. Tudo está ali.
Mas Anéis de Poder não se contenta em apenas repetir os grandes hits de O Senhor dos Anéis. Através de Galadriel, interpretada com estoicismo e vulnerabilidade por Clark e corretamente posicionada como protagonista, Payne e McKay encontram potencial e complexidade dramática sem tentar tingir a batalha central da trama com tons cinzentos, mas aprofundando este embate num nível pessoal. Não há, aqui, uma visão pós-moderna do bem e do mal. Há, porém, uma análise do quão difícil é não ceder à escuridão quando se tenta caminhar na luz, um alerta sobre como a obsessão pode levar à corrupção, e um estudo sobre a tênue linha dividindo justiça e vingança. A série minera os conceitos clássicos de Tolkien sem nunca pintar fora das linhas. É desnecessário. Já há tanto para se explorar.
Outro elemento essencial da obra, a interação entre raças, também se mostra presente. O conceito de preconceito, de rachaduras históricas e cicatrizes relacionais é desdobrado sempre com maturidade e especialmente no âmbito intimista. Vemos, claro, como é difícil o relacionamento entre homens e elfos. Os primeiros se sentem maltratados, vistos quase como orcs, e os segundos não incapazes de ver além de seu próprio nariz. Mas mais do que nos educar com uma lição pedagógica, Os Anéis de Poder busca representar esses conflitos em dilemas, amores e rivalidade entre indivíduos. O mesmo pode ser dito para elfos e anões (espere para ver a dinâmica entre o Elrond de Robert Aramayo e o príncipe Durin de Owain Arthur), para Pés-Peludos e homens, e assim vai. A série corretamente identifica a boa construção de personagens como melhor maneira de abordar suas grandes questões, mas nunca cai na armadilha de reduzi-los ao enredo principal. Cada um tem problemas distintos, alguns sem nenhuma relação com a trama, e revela facetas inéditas quando o ambiente e habitantes ao seu redor mudam.
A Amazon recrutou um grupo talentoso para ajudar nessa missão. Aramayo vive Elrond com um misto divertido de nobreza e confiança, e é ótimo lado a lado com a brutalidade e graça de Arthur como Durin. Israel Cruz Cordova e Nazanin Boniadi têm muita química no romance shakespeariano de Arondir e Bronwyn, Daniel Weyman é imponente como o Estranho, uma figura cuja identidade será fonte de muuuuuuitos debates, e Markella Kavenagh vira nossa porta de entrada neste mundo como a curiosa e aventureira Nori, uma Pé-Peludo que, assim como nós, quer passear pelo mundo.
Na dupla de episódios iniciais, Nori ainda não realizou seu sonho, mas Os Anéis de Poder não requer de nós a mesma paciência. Vamos de norte a sul, de continente para continente, de montanhas a florestas, de campos para grandes cidades, de mares violentos para cavernas sombrias. A Terra-Média é trazida à vida sem economia. Além da beleza natural do mundo, o cuidado nos figurinos, nos móveis, nos navios, nos palácios e nas armas é visível. A direção de arte, aliada à fotografia e ao design de produção, fazem bom uso do orçamento gigantesco. A série de O Senhor dos Anéis será um parque de diversão para os fãs, tão extenso em largura quanto profundo em significado. Não faltam coisas para se ver, e dentro de cada uma, tanto para se notar.
Este passeio pela Terra-Média, contudo, só é válido por conta de nossos guias. Os Anéis de Poder, desde seu princípio, deixa claro estar interessado nos maiores conceitos da criação de Tolkien. Seu Deus, seus anjos, seus inimigos. Equilibrando essas grandiosas ambições está uma raiz firmada nos personagens simpáticos, interessantes e divertidos, figuras nos conduzindo numa jornada épica, centros para onde sempre poderemos olhar para entender e acompanhar essa história mágica.
Não demorou muito para a tensão passar. Quando o título da série enfim apareceu, no fim da longa introdução — concluída com a primeira, ótima, sequência de ação — um relaxamento já havia se instalado. Mais e mais, um sentimento de maravilhamento e curiosidade tomaram conta e quando os créditos do segundo episódio começaram, marcando o fim do meu primeiro contato com O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, mais um estado se revelou. Impaciência. Agora, preciso esperar até o dia 9 de setembro, quando o terceiro capítulo estrear, para continuar essa aventura. Mal posso esperar.