Opinião: Star Wars precisa deixar o passado para trás se quiser sobreviver
Insistência em revisitar os mesmos personagens, planetas e conceitos limita o potencial da saga.
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Um sábio mestre Jedi uma vez disse para seu aprendiz - este também um mestre - que o mais importante ato de um professor é transmitir para o aluno não só seu poder e maestria, mas também seu fracasso. Especialmente o fracasso. Enquanto Yoda aconselha Luke Skywalker na melhor cena de Os Últimos Jedi, ele está aconselhando toda a franquia Star Wars. Enquanto Kylo Ren quer queimar o passado e Rey está obcecada com ele, Yoda apresenta um caminho melhor: aprenda o possível, e faça algo novo. “Nós somos aquilo que eles superam,” ele conclui. A Lucasfilm parece ter ignorado o conselho de seu mais erudito pensador.
A começar pelo filme seguinte, Ascensão Skywalker, e sua necessidade inexplicável de trazer de volta o Imperador Palpatine e repetir a reviravolta de “herói descendente de vilão”, mais uma vez se recusando a expandir essa galáxia tão, tão distante para além de duas ou três famílias no cinema, Star Wars, na era Disney, tem um péssimo relacionamento com o passado. A saga comete exatamente os dois erros citados acima. Ao apagar todo o Universo Expandido do cânone (uma decisão compreensível, mas ainda polêmica), o passado foi queimado como Kylo pretendia fazer, e ao se manter preso aos mesmos personagens, planetas e conceitos nas séries do Disney+ e derivados, os acontecimentos anteriores se tornaram uma prisão. É hora de algo novo.
Pense nas melhores criações de Star Wars nos últimos três anos. As duas que vêm à mente, logo de cara, são The Mandalorian e Star Wars Visions. Uma se tornou a principal história da marca na atualidade, enquanto a outra - uma antologia de anime - apesar de estar fora do cânone, é um dos experimentos mais criativos a passar por este mundo. Ambas pegam ideias pré-existentes e as tratam exatamente como isso. Ideias. Pontos de partida para seus contos, não receitas sagradas.
No primeiro exemplo, Dave Filoni plantou Mandalore, Ahsoka e Thrawn em suas séries animadas, mas ao lado de Jon Favreau, leva a narrativa para novos lugares. Ele desenvolve as ideias sem repeti-las. Quando Luke Skywalker chega no fim da segunda temporada, por mais que o momento seja um fanservice claro, há uma sensação de merecimento. A cena não é uma muleta usada por The Mandalorian para se salvar da mediocridade (olhando para você, Livro de Boba Fett). Ela foi plantada nos episódios anteriores, cuidadosamente executada (deepfake à parte) e empolgou exatamente por ter esse caráter especial. Assim como a própria Ahsoka e outras figuras de Clone Wars, a aparição de Luke em Mandalorian é um dos únicos exemplos da série se ligando aos filmes e animações de forma explícita. The Mandalorian não precisa fazer isso para nos conquistar. Estamos envolvidos por conta de Din Djarin e Grogu. O resto é bônus.
Já Visions, ao não se preocupar tanto em respeitar as “regras”, pegou os conceitos mais visualmente memoráveis desta mitologia, como Sabres de Luz ou naves, e literalmente inventou novos mundos e personagens sem necessidade alguma de pensar em conexões, referências ou coerência narrativa. Artistas e animadores recebem um cheque em branco para deixar suas imaginações voarem. Assim, elementos tão conhecidos como Dróides, Jedi e até Tatooine são vistos por novos ângulos e com novas cores. Star Wars se tornou a moldura, o quadro no qual algo refrescante e inédito foi pintado.
TATOOINE, REBELDES E SKYWALKERS
Agora, compare esses exemplos com O Livro de Boba Fett, Obi-Wan Kenobi, Rogue One (que eu curto!) e Han Solo. Todas essas produções possuem pelo menos dois dos três elementos a seguir: Foco em personagens sem a Força (normalmente Rebeldes), longos períodos no planeta Tatooine e preenchimentos de lacunas no período entre os Episódios III e IV.
Se preferir encontrar um único fator em comum entre vários exemplos, veja os Rebeldes. Só disso, temos Rogue One, minha amada Star Wars Rebels e, em breve, Andor (apesar de se encaixar nessa mesmice, essa parece sensacional) e Star Wars: Rogue Squadrons, caso o filme de Patty Jenkins ainda aconteça. Claro, há coisas ótimas aí. Disto surgiu Ezra, Sabine, Kanan, Cassian e mais. Mas um padrão se forma. Fica repetitivo, cansativo e genérico.
É muito comum, e fácil, para Star Wars focar nos Rebeldes, fazer ligações com os Skywalkers e voltar a planetas conhecidos. Seja por vontade de agradar fãs ou covardia de desafiá-los, Star Wars se tornou refém dos mesmos tipos de narrativas. Talvez Obi-Wan Kenobi seja o melhor exemplo do problema dessa abordagem. Mesmo com seus criadores afirmando terem feito grandes mudanças no roteiro - originalmente uma trama com Obi-Wan protegendo o jovem Luke dos Inquisidores e Vader - para não ser semelhante demais com Mandalorian, terminamos com seis capítulos do Mestre Jedi mais uma vez atrelado à família Skywalker (só que com Leia. Trocar o irmão pela irmã realmente mudou tanta coisa?), Tatooine novamente foi um elemento central - figurando no primeiro capítulo, e provavelmente no último - e, claro, outra vez nos foi mostrado as fagulhas de onde, um dia, surgiria a rebelião. Para uma galáxia tão vasta, ela parece tão minúscula.
Não me entenda errado. Eu amo Tatooine, amo os Rebeldes, amo as histórias entre os episódios III e IV. Amo alguns Skywalkers. Mas eu me apaixonei por Star Wars por conta da imensa criatividade em tela, pelas possibilidades apresentadas ali. Mesmo filmes falhos como os Prequels me conquistaram quando criança simplesmente pelas novidades. Grevious! Clones! Sabre de Luz roxo! Hoje meu relacionamento com essa trilogia é outro, mas ela é, sem dúvidas, mais ousada e interessante do que Han Solo ou Rogue One. Muito antes da Disney comprar a Lucasfilm, eu e meus amigos brincávamos imaginando a trama do Episódio VII, depois do VIII, e assim ía. As estrelas pareciam infinitas.
Mas na mão da Disney - que, para ser justo, nos deu Mandalorian, Rebels, Bad Batch, Os Últimos Jedi, e Visions - Star Wars ficou pequeno. Essa saga virou, numa triste ironia, algo rigidamente preso à Ordem. Como Luke na cena citada no começo deste texto, a Lucasfilm tenta desesperadamente se apegar a livros antigos e empoeirados, quando há novos aprendizados surgindo. É hora de aprender com seus sucessos, e especialmente com seus erros. Há esperança em coisas como The Acolyte, na presença de Filoni no comando criativo de mais séries, e na fala de Taika Waititi sobre seu filme.
Sempre há uma nova esperança em Star Wars.