Oppenheimer e os Paradoxos de Christopher Nolan
Através das contradições e incoerências do físico, Nolan monta um retrato fascinante
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Na minha crítica original de Oppenheimer, escrevi que a falta de um último passo no desenvolvimento do físico central foi uma decisão "tão sábia quanto conveniente" para Christopher Nolan. Ao nos negar uma resposta definitiva sobre as visões de mundo deste homem, Nolan transforma o vazio do roteiro num espelho que em última instância nos força a decidir por que J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) era quem era. Ao mesmo tempo, o cineasta evitar encarar seu maior defeito: um texto mais elevado na pintura de personagens.
Ainda acredito nisso, mas após assistir ao filme pela terceira vez (em minha defesa, meu pai queria ver e foi Dia dos Pais), não me restam dúvidas de que a sabedoria superou a conveniência nesta equação. É claro, Nolan poderia ter investigado mais a fundo o psique do "pai da bomba atômica," mas agora vejo sua recusa como a escolha correta; a personalidade de Oppenheimer não é melhor revelada na resposta. Ela existe na pergunta em si.
Ou, como o próprio físico diz em sua primeira aula para Lomanitz: "É um paradoxo, mas funciona."
Oppenheimer é o maior paradoxo de sua própria história. Simpatizante com ideais de esquerda, ele também dedurou comunistas para o governo americano durante a Segunda Guerra. Ele nunca demonstrou, publicamente, arrependimento pelo uso das armas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, mas foi contra o desenvolvimento da bomba de hidrogênio. Sua percepção do universo lhe revelava segredos antes mesmo de um acelerador de partículas confirmar suas teorias, mas sua cegueira lhe impedia de entender seus entes e amigos mais próximos.
Quaisquer sejam as verdades sobre J. Robert Oppenheimer*, Nolan parece enxergá-lo como a antítese do tipo de pessoa aprovada no fórum público moderno. Se ele dividiu a América nos anos 1940 e 1950, imagine como dividiria a internet da era das redes sociais. Não foi incomum, aliás, encontrar pessoas rejeitando, de cara, o longa-metragem porque este "humaniza um genocida," como se algumas das melhores obras artísticas já criadas não fossem justamente retratos de homens monstruosos e figuras complexas.
*Estou longe de ter qualquer capacidade ou vontade de analisar o homem real, meu foco é no personagem. Segundo os biografistas, o filme é muito fiel aos acontecimentos, mas ainda é um filme.
Nolan passa longe de colocar um selo de aprovação por cima do nome de seu protagonista, mas ele está, sim, interessado em humanizá-lo. Numa cinebiografia, afinal, isso é primordial. Para cumprir essa missão, o cineasta escolhe justamente o destaque de suas contradições.
As incoerências estão na forma — as sutis diferenças entre as duas linhas do tempo: Fissão e Fusão — e são levantadas no texto, com diversos personagens questionando o líder do Projeto Manhattan sobre suas convicções; "você ao menos sabe no que acredita?" indaga o Edward Teller de Benny Safdie. A moldura do filme, claro, é um grande questionamento onde Roger Robb (Jason Clarke) ataca com dentes afiados cada controvérsia de Oppenheimer. Quem gostaria de justificar sua vida inteira?
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Se essas perguntas são átomos flutuando no espaço vazio da existência, então o paradoxo emocional é a corda condutora ligando tudo. Nolan não é conhecido pro sua sutileza, mas encontrou nos momentos mais grandiosos do filme — as explosões atômicas imaginadas e reais — a forma de transmitir seu principal argumento. Oppenheimer começa o filme no devaneio de um universo invisível, e passa a dedicar sua vida à transformar o sonho em realidade. Ele quer, de alguma forma, ver aquilo com seus próprios olhos.
Para este fim, ele está disposto a deixar sua visão política de lado, alienar sua esposa e amante, fraternizar com militares e frustrar cientistas. O problema, claro, é que quando este mundo oculto se manifesta, é com o fogo e radiação de Trinity. Oppenheimer se vê simultaneamente satisfeito porque enfim alcançou seu objetivo e horrorizado por ter desencadeado uma reação capaz de destruir tudo. Orgulhoso de seu sucesso e assombrado pelas consequências deste, J. Robert Oppenheimer passa a buscar glória e perdão. A glória até vem, mas é tirada pelo próprio governo que o elevou. O perdão, ele nunca obtém.
Me lembrei de quando C.S. Lewis: "Eu descobri em mim mesmo desejos os quais nada nesta Terra pode satisfazer. A única explicação lógica é que eu fui feito para outro mundo." Lewis estava, ali, argumentando a favor de sua visão do cristianismo, mas esse tipo de espiritualidade parece adequada quando falamos de um homem comparado ao ladrão do poder dos deuses.
Essa é a ideia mais paradoxal de Oppenheimer: o homem ansiando pelo eterno, pelo transcendente, descobrindo que somos incinerados quando tentamos chegar perto demais do fulgor divino na força do próprio braço (ou intelecto). A carne presa no espírito. Aplique a pressão certa, e ela explode.
Publicado originalmente em 14 de agosto