Christopher Nolan conquistou uma geração com Batman; com Oppenheimer, ele merecia conquistar o Oscar

Christopher Nolan conquistou uma geração com Batman; com Oppenheimer, ele merecia conquistar o Oscar

Com vitória de Oppenheimer na premiação, diretor de Cavaleiro das Trevas finalmente é coroado pela Academia

Guilherme Jacobs
10 de março de 2024 - 10 min leitura
Notícias

Uma das interpretações mais populares sobre Oppenheimer — principal vencedor do Oscar 2024, incluindo nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Ator — é que, assim como o homem no centro desta cinebiografia, Christopher Nolan se sente assombrado e orgulhoso por seu papel na criação de uma explosão. Para o físico, trata-se da bomba atômica. Para o realizador, diretor da trilogia Cavaleiro das Trevas, é o boom de heróis.

Se há um Monte Rushmore do cinema de adaptações de quadrinhos, o rosto de Nolan está nele, assim como o de outra figura premiada por Oppenheimer, o ator Robert Downey Jr. Como o físico viveu o paradoxo de nunca demonstrar arrependimento por Hiroshima e Nagasaki enquanto tentou impedir o progresso de armas atômicas ainda mais poderosas, Nolan celebra o que chama de um momento pós-franquias na sétima arte, mas celebra os maiores feitos delas com um ar paternal, satisfeito tanto com seu papel no estabelecimento do domínio de super-heróis sobre Hollywood quanto em seu afastamento deles.

O sucesso de Cavaleiro das Trevas, porém, também teve tantas consequências no mundo das premiações quanto no da bilheteria. Foi a ausência do longa nos indicados a Melhor Filme de 2009 que forçou o Oscar a passar anos em busca de um formato capaz de abraçar filmes como ele. A categoria foi de 5 para 10 títulos, às vezes flutuando num meio termo entre esses dois números, e no processo recebendo coisas como Coringa, Pantera Negra e, claro, mais de Christopher Nolan. Agora, quando os heróis estão em decadência e Hollywood parece pronta para uma nova moda, a Academia finalmente premiou o homem responsável por uma de suas várias crises.

Se isso resulta em perdão pelo pecado original, não podemos dizer. A única forma de garantir isso seria voltando no tempo, como num filme de Christopher Nolan, e alterando o passado. O que aconteceu, aconteceu. Cavaleiro das Trevas não recebeu o reconhecimento formal do Oscar, seu status na cultura pop, contudo, é indiscutivelmente maior do que até mesmo o vencedor daquele ano, e seu merecimento deste lugar na eternidade evoca as mais apaixonadas discussões entre os defensores ferrenhos do cineasta e seus maiores críticos.nolan-3

Seja qual for o seu lado nessa história, uma coisa é certa. O coroar de Oppenheimer no Oscar solidifica a posição de Nolan como um diretor que conquistou uma geração. Ele não é o melhor de sua classe, mas ninguém na atualidade desfruta dessa combinação de prestígio, entretenimento e popularidade. Ele recebe cheques em branco para todo projeto, mereça ou não. Excluindo uma pandemia, nada parece capaz de afastá-lo de mais um hit. Os mais medrosos estúdios dos Estados Unidos gastam milhões com histórias originais, repletas de ideias sobre tempo, memória e espaço, estruturadas de maneira propositalmente confusa e complexa, só por causa de seu nome.

Por que? Bom, ele sabe divertir a audiência. Um dos momentos mais inesquecíveis que tive no cinema foi quando Nolan virou um caminhão em Cavaleiro das Trevas. Lembro até hoje da sensação de vertigem, do espetáculo. De lá pra cá, milhões de dólares foram gastos na produção de outros longas-metragens com homens e mulheres mascarados lutando contra o mal, e o único momento que rivaliza com a grandiosidade daquele precisou de uma década e centenas de energias para construir uma energia semelhante. Nolan precisa de 10 minutos, e ele a aplica como poucos.

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Revisitando sua filmografia nos dias anteriores ao Oscar, voltei algumas vezes para essa ideia. Construir e soltar energia. É essa a melhor qualidade de seu trabalho. Nolan não é um poeta, mas um engenheiro. Outros mestres do blockbuster como Steven Spielberg pincelam seus momentos como quadros dignos do espanto de seus personagens, enquanto Nolan busca uma reação química controlada e projetada para o impacto máximo. Isso era visível lá no caminhão de Cavaleiro das Trevas, e novamente aqui na inesquecível sequência do teste Trinity em Oppenheimer.

Mas há outros versados nessa arte. Spielberg, Jordan Peele, James Cameron. Criar e soltar tensão é um fundamento básico do bom cinema. Onde Nolan se diferencia é em sua preferência, por vezes danosa, de dramatizar isso da maneira mais real possível. Do recrutar de físicos para garantir a precisão visual de buracos negros à insistência em efeitos práticos, Nolan busca pautar o deslumbramento na verossimilhança; observe como ele encena sonhos em A Origem contra, digamos, o surrealismo de David Lynch, possivelmente a referência número um quando o assunto é devaneio. Para Nolan, ver uma cidade dobrando sobre si mesma precisa realmente parecer uma cidade dobrando sobre si mesma.

Por um lado, isso cria um ponto de entrada conveniente para audiências menos dispostas ao estranho. Elas olham para um objeto e o reconhecem. Quando seus olhos estão arregalados o suficiente, ele as faz observar enquanto o objeto desaparece e, de alguma forma, é trazido de volta. O objeto, porém, nunca é desconhecido.

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Roger Ebert diz que confusão é o estado no qual Nolan quer deixar sua audiência. Em termos gerais, ele está certo, mas com exceção de TENET, a confusão nunca é um fim em si mesmo para Nolan, e sim o passo que precede a clareza. Meu colega Thiago Romariz o compara ao Mister M; para ele, revelar como ele fez o que fez deixa tudo mais admirável. O que Nolan realmente quer causar no público é o momento no qual eles falam “ah, entendi.”

Isso, em contrapartida, limita sua capacidade de identificar os sentimentos mais profundos nas situações e nos personagens de seus filmes. As angústias e desejos de suas figuras sempre servem a outros propósitos. Não à toa, quase todos os seus homens são figuras de grandes mentes tentando escapar de labirintos metafísicos e quase todas as suas mulheres são facilmente reduzidas ao papel de esposas e mães, e frequentemente mortas. Nolan trafega entre arquétipos. Seu cinema está firmado na fácil identificação. Suas tramas podem ser de difícil compreensão, mas sua escrita não.

Ainda assim, tramas que requerem atenção e pensamento não são comuns na atual Hollywood, especialmente na escala na qual Nolan opera, e há algo louvável em vê-lo pegar propostas aparentemente simples como a sobrevivência de soldados no cerco de Dunkirk e apresentá-las fora de ordem cronológica. Chronos, aliás, costuma ser seu interesse. Ele gosta de revertê-lo, viajar nele e dobrá-lo. Brincando com o tempo, Nolan consegue nos distrair ou impressionar (a palavra depende do seu grau de afeto por ele) o suficiente para surpreender. O tempo, afinal, é essencial para as reviravoltas nas quais seus cinema se fez; revirar é o ato de voltar e descobrir algo novo. No cinema Nolanesco, estamos sempre voltando e redescobrindo.

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Nolan não é o melhor em investigar as emoções e medos de quem revira, mas você pode apostar que não há muitos outros diretores que conseguem deixar essas mexidas tão empolgantes quanto ele. Eternizado por um vigilante e um cientista, Nolan é mais bem representado por outro de seus protagonistas: o mágico. Toda sua engenharia serve ao seu propósito supremo de criar momentos. Para uns, seus artifícios não passam de truques baratos; para outros, são atos de genialidade. Essa busca pelo bombástico o elevou tanto ao topo do mundo dos super-heróis quanto ao do pós-heróis, à vitória na venda de ingressos e, agora, nas cerimônias de premiações.

Bombas, claro, desaparecem depois que explodem. A enormidade de seu disparo é contraposta pelo silêncio posterior. A questão é que, para Christopher Nolan, o impacto é um fim em si mesmo. Acumular energia, e detonar. Um defensor do cinema que prega sua sobrevivência através do aproveitamento total de cada elemento do formato, seja a imagem ou o som. Das composições de Hans Zimmer e Ludwig Göransson à fotografia IMAX de Hoyte van Hoytema, ele passou sua carreira reunindo as ferramentas audiovisuais necessárias para construir a maior bomba possível e ver até onde vai seu eco. Com Oppenheimer, o estrondo foi até o Oscar.

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