[CUIDADO com possíveis spoilers do episódio 3 de Pinguim]

No fim de semana em que Coringa: Delírio a Dois chega aos cinemas praticamente chutado para baixo do tapete por público e crítica, na TV, Pinguim acerta onde o filme de Todd Phillips mais falha: o papel fundamental de Gotham City.

A cidade que, por mais que seja fictícia, se estabelece como um território dentro dos EUA, reflete também o comportamento social do país e a quebra de seu ideal. Em Coringa, Todd Phillips decidiu contar a história de um personagem que, sem o apoio médico/psicológico necessário e vivendo em uma cidade abandonada pelos políticos, acaba assumindo uma persona que devolve o golpe ao status quo. Se Delírio a Dois tem uma grande falha, ela está em abandonar esse olhar social sobre aqueles que enxergam no vilão uma esperança e um meio de se vingar de Gotham, se amparando apenas na Arlequina de Lady Gaga.

Pinguim não comete esse erro. Desde o início de Bilss, o terceiro episódio da série, é bem estabelecido a força que a cidade exerce naqueles que não moram em coberturas, como Bruce Wayne, ou nos bairros ricos, como Sofia Falcone (Cristin Milioti). Gotham pisa nas estruturas dos bairros de Oz (Colin Farrell) e Victor (Rhenzy Feliz). O episódio começa mostrando a noite do atentado do Charada e a inundação causada pelo rompimento das barreiras. Victor, que estava com a família, vai se encontrar com Graciela (Anire Kim Amoda), a jovem que no presente da história está enviando mensagens de texto para ele. Em um terraço, os dois estão curtindo o momento, até que um jovem envolvido em assuntos que Victor “não se envolveria”, aparece e os dois se afastam. Dali, eles veem a água invadir as ruas de Gotham e varrer tudo pelo caminho, incluindo o apartamento onde viviam os pais e a irmã dele.

A família se torna a grande estrutura de Victor nesse episódio, que logo depois vira pauta em uma conversa dele com Oz. Victor conta a história de seu pai, a vontade dele de cozinhar, mas viver em outro trabalho para conseguir continuar vivendo com dignidade junto da família. Essa caminhada de Victor e o passado de Cobblepot continuam se cruzando e o Pinguim deixa claro que Victor precisa aceitar seu novo caminho e ter sucesso, usando o pai do jovem como um exemplo. A jornada apressada de Victor ao lado do chefe joga diversas dúvidas na cabeça do jovem. O retorno de Graciela - e seu chamado para que ambos deixem Gotham para trás - aumenta ainda mais esse sentimento ressabiado de Victor com seu papel no submundo.

Enquanto isso, Oz e Sofia continuam o plano para colocar um novo produto nas ruas de Gotham e ganhar a fatia que lhes é devida nesse mundo. Descobrimos que a substância é parte do plano de Sofia em vender uma nova droga, usando o mesmo composto utilizado no Arkham para controlar os detentos. Os dois se encontram com outro grupo desse submundo de Gotham, a Tríade, que não consegue sair das fronteiras da Chinatown da cidade. A promessa do Bliss enche os olhos dos mafiosos e Oz e Sofia terão que mostrar o potencial do produto em uma noite.

Pronto para fugir com Graciela, Victor é nomeado o “garoto da bolsa”, aquele que vai transitar entre os participantes da noitada, carregando a nova droga e o dinheiro que ela vai gerar. Depois de se impor e subornar um policial, essa é mais uma responsabilidade - e oportunidade - que Oz lhe entrega. A dúvida enche a cabeça de Victor, que acaba em um confronto com o Pinguim, dentro do banheiro da boate. Esse é o grande momento de Colin Farrell na série até aqui. As dores do personagem transbordam do terno branco que o Pinguim veste. A impulsividade de Oz, tão marcante nos primeiros episódios, é posta à prova no momento do confronto. É uma escalada de tensão e ressentimento, que imprime em Victor, na mesma intensidade, o medo de perder o futuro de sucesso que seu pai não teve e a ingratidão com a figura de Cobblepot. São elas que farão Victor dar meia volta no carrão roxo de Oz e deixar Graciela seguir viagem sozinha.

Esse grande momento de Farrell segue em sua conversa com Sofia. O sucesso do Bliss é interrompido por dores do passado. Conforme a imagem de Oz como o grande mafioso de Gotham cresce, Sofia coloca ele contra a parede, deixando claro que sabe que ele foi um dos responsáveis por colocá-la no Arkham. Tudo termina com Nadia Maroni (Shoreh Aghdashloo) aparecendo e entregando o esquema de Oz - com a família inimiga e a morte de Alberto - para Sofia. Oz é salvo por aquele que, aparentemente, o entende melhor: Victor.

Oz e Victor são retratos claros da opressão de Gotham - ou seria dos EUA? - sobre seus cidadãos. Em uma dos melhores momentos da série até aqui, a droga Bliss é estabelecida como a busca dos cidadãos por uma válvula de escape de tudo de ruim que vem acontecendo. Essa saída, e todo o novo sistema de “controle pelo vício”, chegam, claro, da mão daqueles que mais sofreram com ela. Se é assim do alto da cobertura dos Wayne, por que não nas ruas de Victor, Oz e Sofia?

Gotham não poupa ninguém.