O Problema dos 3 Corpos: Série dos criadores de Game of Thrones flerta com as estrelas mas fica na terra
Primeira temporada da adaptação de Cixin Liu é grandiosa apenas em momentos
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Na HBO, D.B. Weiss e David Benioff fizeram, em Game of Thrones, uma série que soube aproveitar a liberdade criativa oferecida pelo canal e a estratégia de lançamento semanal para virar um verdadeiro evento, transformando cada episódio em um compromisso obrigatório aproveitando bem obra aclamada de George R. R. Martin (pelo menos nas seis primeiras temporadas). Agora, com O Problema dos 3 Corpos na Netflix, a dupla recebe outro texto celebrado, o épico sci-fi de Cixin Liu, e outro formato: todos os episódios de uma vez.
Em alguns sentidos, O Problema dos 3 Corpos é a série mais Netflix possível. Por um lado, isso demonstra uma versatilidade admirável no trabalho do par D&D, que criam essa adaptação do livro homônimo do escritor chinês ao lado de Alexander Woo, assim como seu talento para adaptar, seja transportando as páginas para a tela ipsis litteris, seja encontrando o espaço onde mudanças não são só bem-vindas, como necessárias. Aqui, eles desenham algo feito para a maratona, algo cheio de mistérios passíveis de teorias; algo perfeito para este serviço de streaming e seu público. Os vídeos descrevendo esta como "a nova Dark" já estão prontos.
Transformando o único protagonista do livro — uma intelectual mas acessível exploração do significado e motivações por trás do primeiro contato da humanidade com uma raça extraterrestre interessada em dominar nosso planeta —, em cinco personagens, a série de O Problema dos 3 Corpos faz tanto o conveniente quanto o ideal para a televisão.
É conveniente porque isso abre o caminho para diferentes núcleos narrativos, como a paranoia de Auggie Salazar (Eiza González) quando os aliens colocam uma contagem regressiva em seus olhos ou a curiosa aventura de Jin (Jess Hong) e Jack (John Bradley) num jogo de realidade virtual, e é ideal para a TV porque força a história a mudar seus ritmos e tons, essencial quando o livro é algo tão monotom. Com Saul (Jovan Adepo), um cientista genial mas pouco realizado, podemos sentir a leveza de alguém vivendo entre drinks e mulheres. Mas com Will (Alex Sharp), diagnosticado com meses de vida, é preciso refletir e chorar.
Mas há um outro lado nisso tudo. A obra de Liu, cuja prosa é seca e direta ao ponto, não é a mais rica em caraterização, o que reforça a inteligência de dividir o protagonista entre várias figuras, mas diferente da série anterior de Weiss e Benioff, onde havia uma riqueza de facetas até mesmo no menor dos coadjuvantes dos Sete Reinos, O Problema dos 3 Corpos não aproveita ao máximo nenhum membro de seu quinteto principal. Os cinco viram quase como funções. Um pensa, a outra explica. Uma sente, o outro faz. Este é engraçado, aquela é a destemida.
Portanto, a série acaba caindo num problema comum às séries feitas para maratona da Netflix, quando a simplicidade textual é confundida com superficialidade, e a premissa vira uma muleta. Por envolver equações de física, viagem interestelar e ser recheada de reviravoltas, O Problema dos 3 Corpos tem maquiagem suficiente para se apresentar para o público, mas por mais divertidos que sejam alguns de seus artifícios, eles só bastam para fazer vídeos e textos explicativos. Para uma série, é preciso ter personagens.
Eu não quero ser negativo demais aqui. Há momentos onde esses instrumentos, apesar de não estarem 100% afinados, constroem uma sinfonia genuinamente grandiosa e a série beira a excelência, com uma ajuda nada pequena das atuações nas beiradas, vindas de nomes como Benedict Wong e Liam Cunningham. O final do primeiro episódio coloca Auggie e Saul, amantes que nunca conseguiram se resolver pra valer, juntos debaixo de um evento assombroso que arrepiará todo espectador até a espinha. O quinto capítulo, o auge da primeira temporada, leva a história a um ponto sem retorno digno de um finale.
Mas isso também revela os problemas. O livro é reconfigurado na primeira temporada, e elementos da continuação escrita por Liu permeiam os últimos três episódio, gerando uma sensação estranha de anticlímax, não só por consequência de virem depois do que é visivelmente o ápice narrativo Problema dos 3 Corpos até então, mas também porque a forma como os alienígenas se fazem presente muda e fica mais distante, deixando apenas as interações entre os personagens como nossa âncora.
O Problema dos 3 Corpos termina sua temporada no que devia ser um cume emocional; os últimos dias de Will. Sharp, Jin e todos os envolvidos atuam bem, mas o texto simplesmente não está lá. A construção é decente, mas não ao ponto de criar em nós a sensação de que, agora, decolamos para as estrelar. Para uma série que constantemente flerta com o espaço, O Problema dos 3 Corpos poucas vezes deixa o solo.