The Batman é um verdadeiro suspense de serial killer - Crítica Com Spoilers
Analisamos a fundo a história do novo blockbuster da DC Comics
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Essa é nossa crítica com spoilers de The Batman. Para uma crítica sem spoilers, clique aqui.
Há uma conversa tipicamente proclamada pelos diretores e produtores sobre como dessa vez eles farão uma história de gênero com tal personagem vindo dos quadrinhos. Isso nos levou a ótimas obras como Capitão América: O Soldado Invernal (thriller político) ou Logan (faroeste), mas que em última análise, especialmente em seus terceiros atos, voltam a brincar dentro do cercado no qual a maior parte dessas produções multimilionárias existem. Com The Batman, porém, Matt Reeves não caiu nesse papo. O longa, estrelado por um sombrio e preciso Robert Pattinson, enxerga “super-herói” não como um gênero com regras a seguir, mas sim como uma moldura na qual histórias podem existir. Essa, em particular, é um suspense de serial killer digno de comparações com Se7en ou Zodíaco.
Quando o Charada, vivido por Paul Dano, se apresenta num vídeo viral para a cidade de Gotham, os ecos do assassino do Zodíaco são claríssimos. “Esse é o Charada falando,” ele afirma. No cinema, até hoje, o lado detetive da criação de Bob Kane e Bill Finger é representado mas poucas vezes explorado. Normalmente, as cenas tratando do personagem como investigador envolvem máquinas e computadores capazes de analisar uma bala e tirar uma digital em meros segundos, mas o Batman de Pattinson - tão pé no chão que faz o de Christian Bale parecer ter super poderes - não tem essa facilidade. Seus gadgets não farão o trabalho sozinhos. Este Bruce Wayne precisa analisar cenas do crime, procurar motivos, fazer conexões, encontrar fontes. Passo a passo, o crime precisa ser desvendado. Reeves, através da trama escrita por ele e Peter Craig, faz por merecer comparações com as obras de David Fincher ou Alan J. Paluka. The Batman abraça o DNA de coisas como Chinatown ou o previamente mencionado Zodíaco, com um caso complexo e cheio de mistérios que, eventualmente, começa a chegar perto demais da vida pessoal do homem o resolvendo.
A moldura do herói, por sua vez, permite ao suspense tomar uma nova forma e examinar legados, com o caso levantando questionamentos direcionados ao próprio Batman. Aqui, Bruce está trabalhando nas noites há dois anos, se escondendo nas sombras e assustando criminosos mesmo que esteja do outro lado da cidade, dedicando-se por completo à missão de salvar uma cidade irredimível, ao ponto de precisar usar óculos de sol durante o dia. Em uma narração em off, elemento clássico de suspenses noirs, ele admite fracasso inicial; Apesar do medo no rosto dos criminosos quando seu sinal está no céu noturno, o crime está em ascensão. Assassinato; Roubo; Violência. The Batman questiona não só os métodos, mas a própria ideia de seu personagem principal. Essa é mesmo a melhor maneira para lidar com a perda dos pais? E é assim mesmo que se resolverá o problema de Gotham?
Inspirado em O Longo Dia das Bruxas, Ano Zero e Ano Um, Reeves escolhe a ideia de um crime complexo, da descoberta da verdadeira Gotham e de um vilão intelectual para mostrar o Batman precisando amadurecer. Versões anteriores do personagem no cinema normalmente gastavam pouco tempo investigando, chegando à conclusões convenientes sobre o caso da vez através de computadores e máquinas capazes de, em apenas alguns segundos, reconstruir uma bala e tirar dela a digital do criminoso. Aqui, Batman precisa investir horas e dedicação no trabalho. Pattinson o vive com precisão sombria, comunicando seus sentimentos em extremos; Nos pequenos olhares e reações com a boca, ou com explosões de ira e frustração quando as cicatrizes físicas e emocionais se tornam dolorosas demais. O Charada é o antagonista perfeito para essa história, ainda mais na versão de Dano - um troll de 4chan com seguidores tão perigosos quanto ele, descontando sua raiva no universo de maneira violenta e doentia, desequilibrado mas possesso de uma lógica interna desequilibrada, com o ator comunicando esse distúrbio com perfeição perturbadora. Já veterano desse tipo de papel graças a Sangue Negro e Suspeitos, Dano é um dos maiores acertos da produção. Reeves guarda seus grandes momentos para o terceiro ato, escondendo até a face do ator, que com suas bochechas arredondadas e olhos pequenos, só eleva a estranheza do assassino. Pouco a pouco, a Vingança precisa descobrir a verdade. Documento por documento, pista por pista, cena do crime por cena do crime, ele perceberá como Gotham é mais complexa do que o esperado.
São diversas as figuras responsáveis por esse momento de reconhecimento para o bilionário recluso, visto em público mais raramente do que o chefe do crime Carmine Falcone (John Turturro). O mafioso, vivido com acidez indiferente com o veterano de comédias puxando mais para frente seu lado sombrio, Falcone representa o passado, não só da cidade, mas da família Wayne. Bruce é um dos alvos do Charada por conta de um acordo feito entre o falecido Thomas Wayne e Falcone para calar a boca de um repórter sobre o passado da família de Martha - os Arkham - incluindo o próprio internamento da mãe de Bruce num asilo. Agora, o filho deve pagar pelos pecados do pai. Falcone assassinou o jornalista sem o conhecimento de Thomas, que foi morto depois de ameaçar revelar tudo para a polícia. Essa é a jogada mais arriscada do filme de Reeves, não só fugindo da tradicional ideia dos Waynes como perfeitos, como também traçando uma possível origem hereditária para os possíveis surtos de Bruce. A primeira ideia é louvável, adicionando uma complexidade normalmente inexistente no passado da família fundadora de Gotham. Thomas Wayne não é apenas um cavaleiro branco ou um corrupto escondido, ele é mais complicado. Por outro lado, deixar implícito uma história de problemas psicológicos indo dos Arkhams ao nosso protagonista sem desenvolver a possibilidade com mais cuidado faz com que essa noção fique mais solta e jogada, diferente do resto do longa, onde cada figura é aplicada por Reeves - responsável pelo roteiro ao lado de Peter Craig - com cuidado e sabedoria.
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Essas figuras - o Pinguim de Colin Farrell, a Selina Kyle de Zoë Kravitz, e o Jim Gordon de Jeffrey Wright - representam facetas dessa nova e verdadeira Gotham, e possibilidades para o seu futuro. Inspirando-se nos mafiosos italianos de Sopranos e Poderoso Chefão, Farrell faz um Oswald Cobblepot se deliciando na corrupção, um novo tipo de mafioso que não precisa se guardar num esconderijo, mas convida todos para seu clube. Com visual deformado, ele parece estar sempre babando diante das possibilidades criminosas e financeiras trazidas pelo plano do Charada, eventualmente enxergando sua chance de tomar o vácuo do poder. Ele parece mais cruel, menos civilizado que Falcone. Ele é um produto da corrupção desenfreada, o tipo de verme que só sai quando está tudo sujo demais. Por outro lado, figuras como Kyle - interpretada por Kravitz com doses idênticas de sensualidade e sagacidade - vivem no limiar do bem e do mal. Selina sabe quem são as verdadeiras vítimas de Gotham. Ela vê como os pobres e rejeitados acabam sofrendo mais diante dos jogos dos poderosos e precisa abrir os olhos do Batman para essa verdade, adicionando uma pitada de cinza na visão preta e branca do herói. Diferente de Jim Gordon, porém, ela não acredita na redenção. Talvez por isso ela atraia tanto Bruce. Além de seus olhares penetrantes, Selina já desistiu da cidade e de seu povo. É Gordon, policial interpretado por Wright com seriedade constante e coragem inabalável, o homem capaz de acender a chama da rebeldia nos íntegros, de ousar acreditar num futuro melhor. Wright sempre foi dotado de um ar pacato, de bom moço. Ele utiliza cada uma dessas características na hora de construir seu Gordon, mas sem perder a atitude séria e direta ao ponto, capaz de questionar até mesmo os erros do Batman.
E há bastante erros para questionar. The Batman conta com duas aberturas. Na primeira, vemos a brutalidade e natureza calculadora do Charada, na qual a mixagem de som destaca marteladas e o cortar de uma fita crepe como sons para temer pelo restante das três horas do filme. Na segunda, diversos crimes acontecem simultaneamente em Gotham e, em cada um, o Batman está presente mesmo que não fisicamente. O assaltante o vê num beco escuro. Outro vândalo sente sua presença nas trevas de um portão, e uma gangue de arruaceiros o enxerga no vagão pouco iluminado logo depois do seu numa viagem de trem. Batman, eventualmente, aparece em um dos três cenários, mas seu sinal estende sua mão como as asas do demônio sobre a cidade no clássico Fausto, de 1926. A sombra é inescapável. Infelizmente, isso significa que mesmo os inocentes temem a presença do Morcego. Quando a nova prefeita de Gotham, Bella Réal (Jayme Lawson) questiona Bruce por sua apatia em relação à cidade, ela também está denunciando sua abordagem como vigilante. Ele está ajudando, ou como o Charada, só descontando sua raiva em quem julga ser culpado? Não à toa, o vilão interpreta o Cavaleiro das Trevas como um aliado em espalhar sua mensagem de justiça distorcida.
As verdades faladas por Selina, a reflexão forçada pelo Charada, a mudança de perspectiva trazida por Falcone, a persistência de Gordon e a ameaça do Pinguim. Apesar de bem desenvolvidos, cada um desses coadjuvantes existe para enriquecer o arco do personagem principal. The Batman é, indiscutivelmente, sobre o Batman. Sobre o que o move, sobre suas dúvidas, sobre suas ambições. Ele não é uma origem, mas sim o crescimento desse personagem, fugindo dos erros cometidos nos primeiros anos desta versão específica e também encarando as questões nunca faladas nas encarnações anteriores do herói no cinema. Reeves, inicialmente, só mostra o Batman à noite, mas seu filme é povoado de sóis nascentes, com o homem das trevas observando a entrada da luz na cidade. Suas últimas cenas, porém, o colocam em plena luz do dia, no meio do povo, determinado a transcender a vingança. Se a noite é mais escura antes do amanhecer, então agora, talvez, haja esperança. Para Gotham e para Bruce Wayne.
4.5/5