Opinião: Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo não é o melhor filme de 2022, mas é um bom Melhor Filme para o Oscar

Opinião: Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo não é o melhor filme de 2022, mas é um bom Melhor Filme para o Oscar

O que a vitória do filme de multiverso da dupla Daniels representa para a premiação mais importante do cinema

Guilherme Jacobs
12 de março de 2023 - 8 min leitura
Notícias

Nenhuma obra como Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, jamais, havia vencido o Oscar. A indicação do filme de ficção-científica, multiverso e família dos diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert, por si só, parecia uma história de Cinderela. Em outros tempos, a Academia, quem sabe, o indicaria na categoria de Melhor Roteiro Original e, quem sabe, ele levaria essa estatueta, rotineiramente a mais divertida da premiação, para casa.

Agora, seja pelo tamanho expandido da Academia, cada vez mais jovem e mais internacional, seja pela grande quantidade de amor direcionado ao filme, ou pela qualidade da campanha de A24, a sua já surpreendente indicação se transformou numa vitória sem precedentes. A vitória veio, e curiosamente sem o ar de inesperado.

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo estava entre os dois ou três filmes mais cotados para o prêmio quando a Academia anunciou os 10 concorrentes, mas depois dos precursores, seu favoritismo alcançou o nível de produções como O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei e Quem Quer Ser um Milionário em tempos passados. Ele venceu o PGA, WGA, DGA e SAG. E, agora, venceu o Oscar.

O que isso significa?

Pensar que, de fato, o prêmio de Melhor Filme no Oscar representa o unanimemente eleito longa-metragem mais especial dos 365 dias ali contabilizados é um equívoco. A vitória de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo na premiação mais prestigiada do cinema não significa, necessariamente, sua superioridade aos outros 9 indicados. Questões como qualidade da campanha e noções pré-concebidas dos votantes são alguns dos fatores que nos impedem de ver este título como algo absoluto. É assim com todos os rankings, troféus e listas do mundo do cinema, ou de qualquer arte.

No Oscar, contudo, fazer uma boa campanha e ter um marketing inteligente é tão importante quanto fazer um bom filme. Dependendo do quão cínico você for, é até mais. Ainda sim, a vitória de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo deve ser recebida, acho, como um sinal positivo.

Este não é meu filme favorito de 2022. Ele nem é, pra mim, o melhor dos 10 indicados (essa "honra," reservo para minha amiga Lydia), mas eu fico feliz com sua vitória. Nos últimos meses, diversos críticos e cinéfilos expressaram com variados níveis de furor sua revolta com a iminente vitória do filme dos Daniels, e em diversos casos, consigo compreender suas objeções.

Chamar Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo de "terapia" virou tanto um elogio quanto uma crítica à sua qualidade e características, e uma parcela dos adoradores do longa-metragem abasteceu muitas frustrações de quem não vê o filme com bons olhos. Quando o excelente crítico A.O. Scott do New York Times (entre outros) o colocou em seu Top 10 do ano, mas não em #1, ele precisou trancar sua conta do Twitter para parar de ler xingamentos. Fãs, tipicamente, são irritantes.

Tendo dito isso tudo, a escolha de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo me anima. Se for para falar de méritos, acredito que a inventividade dos Daniels, sua mistura de influências divertidas e as atuações de Michelle Yeoh e (especialmente) Ke Huy Quan o deixam verdadeiramente fantástico. Eu tenho críticas. Ele é longo demais, e recorre a uma subjetividade de "amor" como resposta que, justamente por ser subjetivo demais, não tem o impacto filosófico que seus diretores buscaram. Em termos de personagens, porém, eu me vi emocionalmente investido como em poucos filmes no ano passado, levado numa montanha russa de dimensões que, mesmo nas horas mais tristes, continuava divertida e imprevisível.

Mas o Oscar, como falei, não é sempre um exercício de qualidade. Há narrativas por trás das escolhas, e é com essas lentes que eu enxergo seu sucesso de forma positiva. O fato é curioso. A tal "narrativa" é normalmente a causa dos erros da Academia, um órgão muitas vezes mais interessados em recompensar do que em avaliar, mas ultimamente isso está mudando.

Como dito antes, em anos passados Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo teria sorte de entrar na categoria de roteiro e algumas outras do campo técnico. A Academia, porém, está mudando. No final da década 2010 e começo da 2020, isso começou a se manifestar em resultados antes inconcebíveis, como Moonlight derrotando La La Land e, claro, Parasita quebrando a barreira das legendas para fazer história.

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é uma história original (uma raridade no Oscar), focada em uma família asiática (outra raridade), e cheio de conceitos de ficção-científica cabeçudos (normalmente, um repelente de Oscar). Suas influências incluem Wong Kar-Wai, YouTube e Matrix. E, agora, ele ganhou Melhor Filme. Não foi um remake de filme de guerra, não foi um filme sobre filmes, não foi uma produção digna do rótulo Oscar-bait. Foi uma comédia de ação no multiverso sobre uma mãe de meia idade resgatando a vida de sua filha e aprendendo a amar o marido enquanto luta artes-maciais em diferentes dimensões.

Sua originalidade, por si só, o faz um vencedor empolgante na era de Hollywood presa em reboots e spinoffs. É claro, esse é um sistema quebrado o suficiente para tirar todas as lições erradas deste feito, mas por hoje, podemos sonhar. E se o Oscar parar de ignorar filmes de gênero como ação, terror ou ficção-científica? E se pessoas cujo rosto não parece o de Chris Evans começarem a protagonizar os vencedores do Oscar ano após ano? E se mais criações feitas para o cinema, não adaptadas de livros ou quadrinhos, forem premiadas?

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo tem problemas, tem fãs chatos, tem um estúdio excelente em lobbying por trás, mas ele tem qualidades praticamente inexistentes na maioria esmagadora dos vencedores dos últimos 94 Oscars.

Talvez seja derrotismo da minha parte, mas parei de buscar no Oscar a resposta do que é o melhor filme do ano. Quantos do Top 10 do ranking de melhores filmes de todos os tempos da Sight & Sound ganharam o Oscar? Quantos sequer foram indicados? Não que não haja defeitos na lista, ou que ela deva ser o exemplo maior do cânone, mas hoje me faço observar o "Melhor Filme" da Academia não como o campeão merecido, mas sim como algo que pode representar mudanças e oferecer direcionamentos para essa indústria.

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo não é o melhor filme de 2022, mas ele é um bom Melhor Filme do Oscar.

tudo-em-todo-o-lugar-ao-mesmo-tempo
tudo-em-todo-lugar-ao-mesmo-tempo
daniel-kwan
daniel-scheinert
oscar
a24
artigo
michelle-yeoh
ke-huy-quan
opiniao

Você pode gostar

titleFilmes e Cinema

"Quero ser sua amiga", diz Jessica Chastain para Fernanda Torres

Vencedora do Oscar rasgou elogios para Fernanda Torres em entrevista

Igor Pontes e Matheus Ramos
10 de fevereiro de 2025 - 3 min leitura
titleOscar

Oscar está considerando pedir para que filmes revelem uso de IA

O Brutalista e Emilia Pérez se envolveram em uso controverso de IA

Igor Pontes e Matheus Ramos
7 de fevereiro de 2025 - 2 min leitura
titleFilmes e Cinema

Ainda Estou Aqui | Guillermo del Toro fará sessão de Central do Brasil em LA

Diretor estará acompanhado de Walter Salles

Alexandre Almeida e Matheus Ramos
6 de fevereiro de 2025 - 1 min leitura
titleNetflix

Emilia Pérez | Netflix se distancia de Karla Sofía Gascón

Serviço de streaming está se afastando da atriz em tentativa de salvar participação no Oscar

Igor Pontes e Matheus Ramos
4 de fevereiro de 2025 - 3 min leitura