Viúva Negra - Crítica do Chippu

Viúva Negra - Crítica do Chippu

Personagem de Scarlett Johansson finalmente recebe o tratamento que merecia

Guilherme Jacobs
1 de julho de 2021 - 9 min leitura
Notícias

Normalmente, estar dentro da zona de conforto é algo ruim para cinema. Gostamos de coisas ousadas, de expectativas quebradas e ideias inesperadas. Se Viúva Negra tivesse saído em sua data original, no primeiro semestre de 2020 e pouco tempo depois de Vingadores: Ultimato, talvez o fato de ser totalmente dentro da fórmula Marvel, sem grandes surpresas, fosse algo digno de mais críticas. Mas agora, dois anos depois da última vez que vimos a vinheta do estúdio antes de um longa-metragem, alguns vícios parecem virtudes.

Saiba o que acontece na cena pós-créditos de Viúva Negra


Porque Viúva Negra é, acima de tudo, um puríssimo filme da Marvel. O humor, as dinâmicas de personagens, o tipo de história e até mesmo as cenas pós-créditos estão aqui. Apesar de termos vistos produtos do estúdio no Disney+ com WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal e Loki, este parece realmente ser o comeback de Kevin Feige e sua turma, completo com uma escala de produção e efeitos quilômetros acima até das próprias séries citadas aqui. Se você amava o MCU em 2019, não terá nenhuma dificuldade com este retorno. Mas se você esperava algo mais fora da caixa depois de Ultimato, é melhor repensar.


Não me entenda errado, Viúva Negra é muito divertido. Durante seus 135 minutos, ele combina cenas de ação executadas com criatividade e clareza com um roteiro repleto de piadas e reviravoltas, além de boas atuações (às vezes ótimas) vindas de cada membro do elenco principal, particularmente de suas duas figuras principais - Scarlett Johansson no papel da titular heroína, Natasha Romanoff, e Florence Pugh como sua irmã adotiva mais nova e provável sucessora do manto, Yelena Belova.


É uma pena que a Marvel tenha adiado tanto a ideia de um filme da Viúva Negra. Com a morte da personagem em Ultimato, o longa dirigido por Cate Shortland é forçado a se passar entre Capitão América: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita, traçando paralelos constantemente entre as famílias de Natasha. Assim como seus "irmãos" Steve Rogers e Tony Stark, os espiões com quem cresceu - Belova como irmã, o Guardião Vermelho de David Harbour como pai e Melina (Rachel Weisz) como mãe - estão separados e têm muita bagagem para reconciliar-se com facilidade.


Quando crianças, as meninas foram separadas dos pais por uma organização soviética secreta, responsável por criar a Sala Vermelha e treinar Viúvas, agentes secretas capazes de iniciar até mesmo guerras. Agora, o grupo utiliza uma fórmula de controle mental para ter total domínio sobre estas mulheres. Quando Belova descobre isso, busca ajuda de sua foragida irmã para enfrentar seus antigos mestres.


Alguns outros rostos do MCU vão aparecer, incluindo uma surpresa bem legal na cena dos créditos, mas Viúva Negra é o filme mais contido da Marvel em anos. Desde o primeiro Homem-Formiga, o estúdio não havia feito algo tão independente assim. Isso, por um lado, liberta o longa de qualquer obrigação de construção de mundo além de sua própria história. Shortland e companhia não estão aqui para plantar pistas sobre Joias do Infinito, seus interesses estão totalmente voltados para seus personagens.


Por isso, Natasha recebe aqui o desenvolvimento que tanto merecia. Johansson, como sempre, é magnética no papel, mas aqui a atriz, tal qual sua heroína, baixa a guarda e nos permite ver o lado mais pessoal, frágil, frustrado e caloroso de Romanoff. Em Vingadores, ela exibia emoções, tristeza e lutas, mas sempre frutos das circunstâncias ao seu redor. Aqui, o roteiro busca explorar mais as motivações, dúvidas e traumas interiores da protagonista, resultando num tratamento que só deixa mais bizarra a decisão da Marvel de deixar para a Fase 4 um filme centrado numa de suas personagens mais centrais com uma de suas maiores estrelas.


Falando em estrelas, Viúva Negra apenas reforça a decolagem iminente de Florence Pugh. Depois de se tornar um ícone do terror com Midsommar e ser indicada ao Oscar por Adoráveis Mulheres, a atriz rouba a cena até mesmo de Johansson em seu maior blockbuster até aqui. Pugh transita do carisma bem-humorado para a seriedade de uma assassina, passando pela frieza de uma garota escondendo suas emoções para não se machucar. E ela faz parecer fácil. Alcance, essa atriz tem. A Marvel sabe disso, afinal Yelena já está confirmada na série do Gavião Arqueiro, mas é difícil ter certeza se os produtores já entenderam que têm em suas mãos um dos nomes mais importantes dos próximos cinco anos.


Enquanto isso, Harbour é hilário no seu papel secundário. Seu Guardião Vermelho vive relembrando as glórias do passado e mostrando seu machismo (no bom sentido), mas perde toda a moral quando entra na mesma sala que as filhas. Weisz, por sua vez, deixa a desejar. Sua personagem é a menos trabalhada da família principal e é triste ver Shortland desperdiçar o charme e intrepidez de uma das atrizes mais versáteis da atualidade.


Mas se a independência em relação ao resto do MCU liberta Viúva Negra, ela também demanda mais do roteiro e direção. Esse filme não será salvo jogando uma luta entre o Homem de Ferro e Pantera Negra de surpresa no meio. Ele precisa andar com suas próprias pernas.


E ele consegue? Bom, às vezes. O roteiro segue um andamento bem previsível, mas executa cada uma de suas ideias e temas com a competência necessária para um blockbuster desta estatura. Aliás, a escala é algo impressionante. Os trailers já deram pistas, mas é preciso ver Viúva Negra para lembrar o patamar no qual o Marvel Studios se encontra. Tamanho, entretanto, não é tão importante quanto execução. Por mais que as cenas de ação sejam bombásticas e gigantescas, falta o absurdo cômico de algo como Missão Impossível, o charme de um 007 ou a coreografia de um Jason Bourne para dar ao filme uma identidade própria nesse sentido. O Treinador, funcionando basicamente como um Exterminador do Futuro aqui, nunca se torna uma presença intimidadora o suficiente para elevar suas cenas de luta (mas há uma bela reviravolta quanto à sua identidade, ligada ao tema).


Falando em tema, também é decepcionante a falta de coragem da Marvel em lidar com a temática implícita na Sala Vermelha e criação das Viúvas. Não há para onde fugir. Isso é uma grande metáfora para tráfico de mulheres para escravidão sexual. Mas tirando uma cena no qual o vilão principal, Dreykov (Ray Winstone), fala sobre seu plano daquela maneira bem óbvia para finalmente deixar claro para a grande audiência qual alusão o filme faz, a ideia mal é trabalhada. É preguiçoso, mas não surpreendente.


Vendo a premissa, é possível concluir que Viúva Negra é o filme de espionagem da Marvel, como Soldado Invernal foi o suspense político, ou De Volta ao Lar sua comédia de amadurecimento. Mas não, esta é uma história de super-herói, completa com as melhores e piores partes deste gênero tão onipresente na cultura pop. Aqui, ninguém tentou misturar a fórmula com ingredientes novos, apenas tocar os greatest hits. Mas depois de dois anos sem estreias, isso é como voltar pra casa e jantar com sua família. Ela tem seus defeitos, mas ainda é sua.

Nota: 3.5/5

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