Você deveria assistir: Ruptura é a Black Mirror da Apple TV
Dirigida por Ben Stiller e com excelente elenco, série traz um conceito incrível
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Quantas vezes, recentemente, você pode dizer que assistiu a algo com um conceito totalmente novo? Ruptura, nova série do Apple TV+, traz essa sensação cada vez mais rara. Criada por Dan Erickson, ela pega uma premissa tão boa quanto as ideias vistas nos melhores episódios de Black Mirror ou Além da Imaginação e a desenvolve de maneira brilhante, estendendo o que poderia ser "apenas" uma reviravolta inteligente para um conceito cujas consequências e desdobramentos são complexos, multifacetados e interessantes, afetando a vida dos personagens - interpretados por um elenco de primeira composto por Adam Scott, John Turturro, Britt Lower, Trammell Tillman, Jen Tullock, Christopher Walken e Patricia Arquette.
Este conceito é aplicado ao ambiente de trabalho desses personagens. Todos são empregados numa misteriosa mas poderosa empresa de... algo. Não está claro quais são as áreas de atuação da Lumon, mas os processos realizados lá são burocráticos e há uma sensação claustrofóbica nos seus corredores brancos e indistinguíveis. Mark (Scott), nosso protagonista, parece estar se perdendo num labirinto de luzes fluorescentes, portas e elevadores, mas ele está apenas isso para sua mesa. Ali dentro, fica claro rapidamente, as cosias não são normais. Se isso já foi suficiente para te convencer a dar uma chance a Ruptura - disponível no Apple TV+, com novos episódios toda sexta-feira - então pare por aqui e não veja o trailer abaixo. Agora, é preciso falar de spoilers.
Ruptura começa com uma mulher - depois revelada como a novata da empresa, Holly (Lower) - deitada numa mesa, desmaiada. Ela acorda e logo se vê dentro de uma sala trancada. Uma voz vinda de caixas de sons a questiona sobre diversas coisas, como seu nome, hábitos alimentícios de alguém chamada Eagan e os estados ou territórios dos Estados Unidos. Suas respostas para essas perguntas são, respectivamente: não sei, não sei, e apenas Delaware. Eventualmente, a porta se abre e Mark aparece, explicando a situação. Holly, assim como todos os funcionários deste andar específico da Lumon, passou por um procedimento chamado Ruptura. Essa operação separa as memórias do paciente entre vida pessoal e vida profissional. Entre no elevador da Lumon, e toda a vida lá fora - sua família, trauma, seus gostos, hábitos e medos - ficam para trás. Semelhantemente, quando é hora de bater o ponto e ir para casa, toda atividade do trabalho será esquecida.
Essa é a premissa de Ruptura. A série é, na verdade, duas séries. Há histórias dentro do ambiente de trabalho, onde Mark e Holly trabalham lado a lado com o engraçado Dylan (Cherry) e o intenso Irving (Turturro), os quatro supervisionados pelo gentil-demais Milchick (Tillman) e a assustadora Cobel (Arquette), ocasionalmente cruzando o caminho de funcionários de outros departamentos, como Burt (Walken). O que eles fazem lá é minerar dados. Mas o que são esses dados? Como eles funcionam? Por que os empregados sentem, literalmente, medo, ao olhar para alguns dos números em seu monitor? Tudo isso é um mistério, mesmo ali dentro. E lá fora? É como se nada disso existisse, e Mark precisa lidar com outros problemas, incluindo um trauma cujo peso é suficiente para fazê-lo desejar passar metade do seu dia com amnésia do resto da vida.
Ruptura, porém, alcança excelência ao juntar as metades separadas pelo processo que dá nome à série, usando as pequenas (e às vezes enormes) maneiras como as duas vidas desses personagens se tocam e se afetam para criar drama. Os mistérios da Lumen, claro, atiçam nossa curiosidade, mas o explosivo roteiro de Erickson se torna mais do que um truque barato ao pegar a reviravolta inicial, da separação absoluta do trabalho e o pessoal, e o espreme para transformá-la no coração de Ruptura, em sua corrente sanguínea. As consequências dessa escolha; As razões das pessoas para buscá-la; As possibilidades abertas por ela; Tudo isso, e mais, existe no abrir e fechar das portas desse fatídico elevador.
Nesse limiar entre o escritório e o exterior, a direção de Ben Stiller - responsável pelos três primeiros, e três últimos episódios (Aoife McArdle cuidou dos três do meio - também ganha vida. Stiller faz um excelente trabalho desacelerando o roteiro e abrindo cautelosamente as portas da Lumon, que por mais estranha que seja, às vezes ainda parece um ambiente mais familiar e seguro do que o mundo exterior, um testamento para o trabalho de construção de cena do diretor dentro das portas dessa corporação. Mas quando a linha entre os mundos se borra, memórias se misturam e a realidade é distorcida, Stiller encontra truques visuais fantásticos para elevar cada cena e momento.
No mesmo nível do roteiro e direção está a atuação, particularmente de Scott e Turturro. O ator principal nunca esteve tão bem quanto aqui, demonstrando uma cicatriz emocional forte em seus olhos cansados e aspecto depressivo no exterior, mas incorporando a mais pura energia burocrática insuportável de chefes cegamente fiéis à empresa dentro da Lumon. A sombra da tristeza externa, porém, ainda existe em seu rosto lá dentro. Semelhantemente, Turturro cria Irving como alguém constantemente precisando se convencer da escolha de fazer a ruptura, entregue como devoto à cultura da Lumon e seus ícones, mas sempre parecendo estar a um passo de explodir.
Tudo em Ruptura é assim. Personagens e audiência podem tentar acreditar na divisão total de suas vidas, na possibilidade intoxicante de deixar o trabalho no trabalho (ou, no caso de Mark, de deixar o pessoal inteiramente fora do trabalho), mas a série, sabiamente, encontra caminhos para cruzar essas fronteiras e quebrar os limites. Quando isso acontece, tudo parece possível.
"Você deveria assistir" é a coluna do Chippu sobre séries disponíveis em serviços de streamings com o propósito de destacar produções, velhas e novas, dignas de sua atenção. Pérolas escondidas, dicas alternativas e sugestões que podem estar ofuscadas pelos títulos mais óbvios.