Wild Diamond frustra por zona de conforto, mas conta com atuação explosiva de Malou Khebiz
Filme de estreia de Agathe Riedinger nunca consegue explorar devidamente seus temas
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O melhor feito da diretora Agathe Riedinger em Wild Diamond (ou Diamante Bruto) está na escolha de sua atriz principal. Retratando a obsessão da geração Z quanto ao sucesso nas redes sociais e construção de imagem, o longa, o raro filme de estreia em competição no Festival de Cannes, encontrou na explosiva e carismática Malou Khebizi a pessoa perfeita para interpretar a protagonista Liane, uma jovem de 19 anos que se apresenta como influencer e sonha em fazer parte de um reality show.
Longe de ser um grande filme ou oferecer novas ideias sobre amadurecimento na era do Instagram, Wild Diamond às vezes parece um amálgama de suas influências, que incluem o trabalho dos Irmãos Safdie quanto à construção de ansiedade, e Euphoria, particularmente na preferência por técnicas cinematográficas clássicas como o aspecto 4:3 e fotografia de celulóide com alto contraste. O desenvolvimento de sua história congela quando, depois de mostrar seu corpo e ser entrevistada para os produtores do programa fictício Miracle Island, Liane é deixada na espera por uma resposta, e a direção de Riedinger, conquanto boa na composição, não é capaz de quebrar essa estagnação.
Por isso é tão importante ter alguém como Khezibi. Também em seu primeiro longa-metragem, a atriz francesa encapsula as emoções discutidas no filme no íntimo de seu ser, e escolhe os momentos certos para deixar sua parede aparentemente impenetrável de confiança rachar. Ali atrás está uma menina com inseguranças, cicatrizes e em busca de socorro, mas também incapaz de aceitar saídas que não envolvam fama e riqueza. Em sua atuação, Wild Diamond encontra mais espaço para se explorar, descobrir e inundar as cenas de energia. Infelizmente, o roteiro da própria Riedinger pouco faz para aproveitar o talento tempestuoso de sua estrela, e o filme nunca escapa de uma eterna sensação de dejá vu.
Em seus melhores momentos, Wild Diamond consegue encontrar o pulso de uma juventude que vive e morre pelos comentários de suas fotos, algo realçado pela forma como Riedinger estampa alguns quadros com as frases que Liane recebe em seu perfil, sejam elas positivas ou negativas. Na sua escolha mais inspirada como diretora, ela os insere, numa fonte com ar de antiguidade, quase como intertítulos para dividir os capítulos de Wild Diamond. Eles guiam a menina como sua Bíblia, e Riedinger identifica a necessidade por mais seguidores, mais likes e mais aprovações como um vício nocivo. Está longe de ser uma revelação inédita, mas a combinação do rosto marcante de Khezibi e closes intensos nas consequências desse estilo de vida transmitem bem o desespero da procura por um novo barato e o êxtase superficial e passageiro de sua chegada.
Por conta do quão afiado Wild Diamond consegue, ocasionalmente, se mostrar, é difícil segurar a frustração ao ver quão pouco disposto o filme está a seguir qualquer uma das pontas que levanta. Por mais que chamá-lo de genérico seria um desserviço à sua identidade elétrica, a insistência em operar apenas numa zona de segurança muito familiar para o gênero faz de Wild Diamond uma experiência frustrante, especialmente dado o potencial dramático de algumas bolas levantadas por seu texto. A tensão domiciliar de Liane com a mãe, uma mulher que acumula homens e contas atrasadas, provém de um abandono na infância, que deixou a menina presa por anos no sistema de lares adotivos. Entretanto, além de indicar uma conexão entre essa cicatriz e o desejo por “amor” virtual, essa ideia jamais é investigada.
O mesmo acontece com a relação de Liane e Dino (Idir Azougli), um rapaz com quem ela dividiu uma casa (e possivelmente uma cama) que retorna agora, com emprego fixo e grandes sonhos, oferecendo o que parece ser uma rotina mais saudável. Experiências passadas, porém, impedem Liane de confiar em qualquer coisa semelhante a carinho e compromisso, mas Riedinger novamente se mostra indisposta a se aventurar nesse território. Até as questões de superficialidade e objetificação inerentes à vida de influencers nunca são respondidas, quer com empoderamento ou rejeição, e muito menos com tons de cinza que poderiam ser interessantes.
Como consequência dessa timidez, algo que não combina com a estética ou a atuação central de Wild Diamond, o momento quando Liane finalmente recebe a resposta sobre o reality show soa apenas como algo jogado dos céus para dar ao filme uma espécie de final. A Liane que atende a ligação dos produtores não foi desafiada a mudar, não debateu suas motivações e tampouco revelou lados inéditos de sua personalidade. Ela é a mesma. O título original de Wild Diamond em francês seria traduzido para “Diamante Bruto” em português, uma frase que indica algo ainda a ser moldado, algo cujas imperfeições representam um território fértil para surpresas. Ou seja, um objeto que convida à transformação. Na prática, porém, essa pedra permanece intacta.