Yu Yu Hakusho da Netflix é boa série de ação, mas é adaptação sem alma
Versão live-action abandona muito do que faz o material original especial
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Yu Yu Hakusho começa com uma tragédia. O jovem Yusuke Urameshi (Takumi Kitamura) observa o próprio corpo estatelado no chão após ser atropelado tentando salvar uma criancinha. Os médicos gritam ordens de emergência, conhecidos se aproximam chocados, e Yusuke olha para o próprio corpo e reconhece a própria morte sem esboçar quase nenhuma reação, como se tivesse sido atingido por uma bolinha de papel.
Essa cena sintetiza muito bem o tom da nova série de ação japonesa da Netflix, que adapta uma dos melhores mangás shonen (destinados a garotos) dos anos 1990. A obra do mestre Yoshihiro Togashi (Hunter x Hunter), que também ganhou anime na mesma década e conquistou o coração dos fãs brasileiros com emoção e irreverência.
Quase nenhum destes aspectos está presente na versão live-action, ainda que a premissa seja extamente a mesma. A ação altruísta de Yusuke, que em vida era um delinquente brigão, surpreende o mundo espiritual, o que não lhe garante lugar nem no céu nem no inferno. Ao lado da guia Botan (Kotone Furukawa), ele recebe do comandante do mundo espiritual Koenma (Keita Machida) a chance de reviver, mas precisará de tornar um detetive responsável por investigar casos envolvendo os youkais, criaturas do mundo inferior, e proteger a humanidade.
A partir daí, em cinco episódios, o live-action picota a bel prazer acontecimentos dos primeiros arcos do anime, alterando a ordem de chegada na história de personagnes como o vilão Toguro e coadjuvantes como a jovem youkai Yukina.
As mudanças por si só são necessárias e até esperadas, tendo em vista os desafios de se adaptar um anime longo em tão poucos episódios. Mas o que chega no lugar é uma adaptação que não entende o que faz de seu material original tão cultuado.
Ao contrário de mangás e animes contemporâneos como Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco, Yu Yu Hakusho se destaca pela amoralidade com que trata questões do bem e do mal. Yusuke tem a oportunidade de renascer, mas ao mesmo tempo recebe um ovo que se nutre da sua energia espiritual, o que simboliza sua liberdade de escolher se será bom ou ruim. No live-action, Yusuke se vê como um problema e não quer renascer, para vinte minutos depois aceitar o desafio em uma posição de herói relutante.
Isso se repete ao longo do desenvolvimento da série, que também resolveu se livrar de todo o humor característico que contribui para quase todo o carisma dos personagens de Yu Yu Hakusho. Chega a ser surpreendente vermos um live-action como este imediatamente depois de a Netflix supervisionar outra produção que entendeu essas nuances tão bem com One Piece. O pouco humor que existe só é recuperado pela dublagem brasileira, que resgata boa parte das vozes do anime original.
Quando você deixa essas questões de lado, Yu Yu Hakusho ao menos é uma série de ação competente. A coreografia de luta ágil e as cenas com poucos cortes trazem o que há de melhor do gênero no Japão.
Nas lutas, a série também sabe trabalhar com a dinâmica dramática tão comum ao shonen, quando os heróis despertam seus poderes de última hora ao verem entes queridos em perigo. Aqui também se destacam os efeitos visuais, que trazem à vida os poderes sobrenaturais de forma convincente (e talvez ajudem a justificar por que a série tem apenas cinco episódios).
Visualmente, Yu Yu Hakusho encanta. Mas o verniz é pouco para envolver o espectador, especialmente quando levamos em conta que, no original, o carisma dos personagens e os dilemas morais nos prendem à história muito antes de o poder espiritual aflorar em seus protagonistas. Yu Yu Hakusho pode até ser uma boa série de ação. Mas é uma adaptação sem alma.